EDUARDO LUCIANO
Criminalizar a Vida
Antes de dizer ao que venho deixem-me esclarecer que não sou dos
que acham que a situação não é grave, que a pandemia não é para levar a sério
ou que devemos viver sem seguir as orientações das autoridades de saúde.
A crise sanitária
é violenta, em particular para os socialmente mais frágeis e para os mais
velhos e as medidas de protecção devem ser levadas a sério.
Dito isto,
deixem-me agora dizer-vos que o limite da protecção não pode ir para além do
razoável tendo em conta que os seres humanos têm de continuar a viver.
Há uma onda
persecutória, alimentada pelas cadeias de desinformação, contra tudo e todos,
em particular os que insistem em usar a rua para as suas actividades. Sejam jovens
que procuram fazer o que é normal para a sua idade, sejam aqueles que continuam
utilizar a rua para denunciar desigualdades, lutar por direitos ameaçados ou
afirmar posições políticas.
Esta onda não
afoga todos. Um grupo de jovens a beber cerveja à porta de um bar num bairro
pobre é insultado pela generalidade da populaça, mas uma festa privada numa
qualquer quinta de gente bem tem a condescendência de quase todos.
A palavra
“criminosos” anda de boca em boca sempre que uma imagem mostra um qualquer
ajuntamento, mas sai do linguajar quando o aglomerado é no supermercado ou nos
transportes públicos.
É urgente
contrariar esta voz comum que criminaliza comportamentos sem avaliar a sua
perigosidade apenas porque parece que são riscos desnecessários.
São permitidos
comportamentos de risco para sobreviver e criticados comportamentos com o mesma
dose de risco se o objectivo é ir para além do limiar da sobrevivência.
Alguém nos quer
confinados ameaçando-nos de morte, independentemente da forma responsável como
nos comportamos.
A irracionalidade
do medo começa a instalar-se de tal forma que até gente que tínhamos como
inteligente decidem comportar-se como verdadeiros esbirros de uma nova
inquisição.
No meio disto
tudo há quem insista em continuar a fazer o quem de ser feito, a assumir os
combates que têm de ser combatidos, a rir apesar dos dramas, a afirmar a sua
humanidade apesar dos riscos. O risco zero não existe, ninguém é imortal e a
maioria de nós quer viver o mais possível.
Há comportamentos
irresponsáveis? Claro que sim. Sempre houve. Mas tornar criminoso o acto de
viver não ajuda em nada o necessário combate a uma pandemia que provoca mortes
desnecessárias.
Viver sempre foi
e será um risco.
Há gente à
espreita para aproveitar o medo da pandemia para cavalgar uma onda que sabemos
onde irá desaguar.
Vamos lá viver,
trabalhar, lutar, com todas as precauções mas com a determinação que faz com
que a terra dos sonhos não seja a página de um livro, um filme ou uma música. A
terra dos nossos sonhos tem de ser o nosso dia-a-dia. Viver não pode ser crime.
Crime será sempre desperdiçar a vida.
Cuidem-se mas
tentem não viver à espera da morte.
Até para a semana
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