segunda-feira, 29 de junho de 2020

VASCULHAR O PASSADO - RUBRICA MENSAL DE AUGUSTO MESQUITA

                                           Convento de S. João de Deus
 A Igreja de S. João de Deus (actual Matriz), assim como a Cripta, faziam parte integrante do Convento da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, construído para cabeça dessa ordem em Portugal, na então Vila de Montemor-o-Novo.
As origens da casa religiosa da Rua Verde, iniciadas, sensivelmente, no local onde nasceu o Patriarca dos Hospitaleiros, partiu de dois devotos da piedosa obra social, o irmão Pedro Pecador e o companheiro João Lopes Pinheiro, que após terem adquirido a Manuel Dias e Ana Gonçalves o prédio onde João Cidade viu a luz do dia, fundaram em 1607, com licença do Arcebispo de Évora D. Alexandre de Bragança, um simples oratório, onde mais tarde se inaugurou a cripta de S. João de Deus. A adquirida casa foi acrescida de albergaria para pobres e peregrinos, cuja primeira pedra lhe lançou o Vigário-geral Padre Luís Rodrigues Seco.
O Arcebispo de Évora D. José de Melo, num Domingo que caiu em 24 de Maio de 1625, autorizou a vinda de dois castelhanos para dirigirem o novel instituto, em cerimónia antecedida de procissão que conduziu a imagem do padroeiro, então recolhida no Convento Dominicano de Santo António (também conhecido por Convento de S. Domingos); dois anos depois, aos 24 de Junho, dia de S. João Baptista, o cónego D. Francisco de Melo, futuro bispo de Viseu e sobrinho do prelado de Évora, lançou a primeira pedra da nova fábrica conventual, que foi benzida pelo bispo D. Fr. Diogo de S. Vicente. Para a construção do convento, foi concedido pela Câmara Municipal de Montemor-o-Novo uma porção de terreno municipal. A primeira fase da obra foi concluída em 1629, e apenas em 1643 a obra do convento foi totalmente concluída.
O edifício, cabeça da sua ordem em Portugal, planeado para recolher 15 religiosos, sofreu importantes obras de ampliação de 1712 a 1719, a expensas do padroeiro D. Luís de Vasconcelos e Sousa, 3.º Conde de Castelo Melhor, famoso ministro de Estado de D. Afonso VI, celebrizado na condução da Guerra da Aclamação, obras que corresponderam à feitura do dormitório novo e restauro do velho. Em 1757-59, e ultimamente entre 1827-30, em vésperas da sua extinção o convento beneficiou de importantes obras de beneficiação.
Na Sala do Capítulo (onde funcionou a Tesouraria da Fazenda Pública), teve sepultura em 22 de Abril de 1756, o padre fr. António de S. João, filho natural do Rei D. Pedro II, que morreu de uma apoplexia, com a idade de 64 anos.
Lista documental, onomástica, dos principais artistas que trabalharam na casa, segundo o “LIVRO DAS DESPEZAS DAS OBRAS QUE/NO COMV.to DE S.JOÃO/DE DEOS DESTA V.A MAN/DOU FAZER O EX.mo SR. CON/DE DE CASTEL-MELHOR”.
Empreitada de 1712-19 – Mestre de pedraria, Manuel Pires; mestre de carpintaria, Gregório Pires; mestres de cantaria, António Fernandes e António da Costa; telheiros, António Rodrigues (da Lage), António Gil (de Santa Margarida), Luís Alvares (de Santo André) e Gregório Coelho (de Pavia); mestre serralheiro, Francisco Fialho; cabo da quadrilha de caretas, Sebastião Vidigal.
Empreitada de 1726-27 – Prior fr. Bernardino do Rosário e escrivão fr. José dos Anjos. Mestres pedreiros, José Gonçalves e José Nunes; mestre carpinteiro, Manuel da Trindade; mestre serralheiro, Manuel Rodrigues.
Empreitada de 1753 – Prior fr. Manuel Jacinto de Santo António.
Empreitada de 1757 – Prior fr. Manuel do Sacramento e escrivão fr. Manuel de Santo António. Mestres da obra, José Ribeiro e Gabriel Álvares; serventes, João Lopes, José Gonçalves, Agostinho Rodrigues, Manuel Sarmento, Gaspar Nunes, Domingues Mendes, José Martins e João de Deus: mestre lavrante de pedraria, Rodrigo de Moura; serralheiro, José Lopes.
Empreitada de 1759 – Prior fr. Luís da Piedade obteve do Provincial da Ordem, a elevada verba de 325.620 rs., destinada à reedificação da casa, sendo escrivães fr. Joaquim do Sacramento e Sebastião Vidigal Facamelo. Mestres de carpintaria, João Pedro e João Gonçalves, que fez as grades das janelas do coro; assentador de ladrilho, José Rodrigues Castelhano. Na obra se empregaram grande quantidade de tabuado de casquinha, que veio de barco até Aldeia Galega (actual Montijo), pinho montemorense, cinco milheiros de ladrilhos, um milheiro de tijolo, 1.500 telhas e 14 moios de cal.
Empreitada de 1827-30 – Escrivão fr. Francisco de Paula. Obra de pedraria e carpintaria que englobou a execução de 36 lanternas processionais (5.400 rs), uma coroa de espinhos (1.400 rs.)
                                                                  O convento foi extinto
 No contexto que se seguiu à assinatura da Convenção de Évora Monte, o então Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar, redigiu o texto do decreto de extinção das Ordens Religiosas, que assinado por D. Pedro IV, foi publicado em 30 de Maio de 1834. Por este diploma, eram declarados extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas, sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional.
Na sequência do referido decreto, o Convento de S. João de Deus esteve alguns anos desabitado, até que, passou a ser utilizado como Quartel do Destacamento de Infantaria de Montemor-o-Novo. Em data que se desconhece o Destacamento Militar foi extinto, e mais uma vez o convento ficou devoluto. Em 6 de Abril de 1863 o Estado cedeu o convento ao Município de Montemor-o-Novo, na condição de nele se instalarem repartições públicas.
Com esse objectivo, iniciaram-se em 1874 volumosas obras de adaptação que lhe adulteraram a fisionomia arquitectónica, desfigurando o seu aspecto original. As fachadas do vasto pavilhão conventual, perderam o merecimento artístico de que dispunham; o alpendre da portaria desapareceu; a cerca e anexos, que ocupavam na quase totalidade o actual Largo da Liberdade, levaram o mesmo fim. As portas e janelas, de vergas e jambas graníticas ou de estuque, de arcos redondos, são deste período, e as reformas interiores foram tão acentuadas que das suas dependências originais, seis-setecentistas, pouquíssimo subsistiu que mereça particularização.
Concluídas as irresponsáveis obras, logo se instalaram no velho convento, os seguintes serviços estatais: Tribunal Judicial, Repartição de Finanças, Tesouraria da Fazenda Pública, Conservatória do Registo Civil, Conservatória do Registo Predial, Cartório Notarial e Estação dos CTT.
Posteriormente, novas dependências oficiais se instalaram noutras partes do convento, situadas na Rua de Santo António: Centro de Saúde,  Casa do Povo e a Casa da Bomba.
                                                                     Museu Municipal
No dia 4 de Setembro de 1932, sob auspícios do Vice Presidente da Câmara, eng.º Adriano da Silva Baptista e colaboração de Manuel da Silva Claro, se inaugurou um incipiente Museu Municipal instalado em três salas do corpo alto e no claustro do convento que poucos anos teve de existência, dispersando-se o seu recheio, constituído por secções de arqueologia, heráldica e epigrafia tumular sacra e profana, arbitrariamente, pelo adro e nave da desafectada Igreja de Santiago do Castelo. Dentre as lápidas sepulcrais conhecidas e valiosas, era citada a ara latina de uma flamínia e o núcleo, também romano, que Francisco António da Silva Grenho havia reunido, simultaneamente com pequena colecção de antiguidades, em fins do século XIX na sua moradia da Rua do Quebra Costas.
                                                                    Biblioteca Municipal
Com o decorrer dos anos, e sem obras de conservação, o Convento foi-se degradando, e  essa degradação, obrigou as repartições públicas ali instaladas, a procurarem novas instalações. Com a transferência em 1977 do Tribunal Judicial para as antigas instalações da Escola Industrial e Comercial, o velhinho Convento de S. João de Deus ficou devoluto.
Perante este facto, os Irmãos da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus solicitaram à Câmara Municipal a cedência do espaço que lhes pertenceu. A autarquia não acedeu ao pedido, alegando que pretendia instalar naquele espaço a Biblioteca Municipal.
Depois das indispensáveis obras de adaptação, que contaram com o apoio do Instituto Português do Livro e da Leitura, foi inaugurada no dia 7 de Junho de 1983 a Biblioteca Municipal.
Augusto Mesquita
Junho/2020

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