As origens da casa religiosa da
Rua Verde, iniciadas, sensivelmente, no local onde nasceu o Patriarca dos
Hospitaleiros, partiu de dois devotos da piedosa obra social, o irmão Pedro
Pecador e o companheiro João Lopes Pinheiro, que após terem adquirido a Manuel
Dias e Ana Gonçalves o prédio onde João Cidade viu a luz do dia, fundaram em
1607, com licença do Arcebispo de Évora D. Alexandre de Bragança, um simples
oratório, onde mais tarde se inaugurou a cripta de S. João de Deus. A adquirida
casa foi acrescida de albergaria para pobres e peregrinos, cuja primeira pedra
lhe lançou o Vigário-geral Padre Luís Rodrigues Seco.
O Arcebispo de Évora D. José de
Melo, num Domingo que caiu em 24 de Maio de 1625, autorizou a vinda de dois
castelhanos para dirigirem o novel instituto, em cerimónia antecedida de
procissão que conduziu a imagem do padroeiro, então recolhida no Convento
Dominicano de Santo António (também conhecido por Convento de S. Domingos);
dois anos depois, aos 24 de Junho, dia de S. João Baptista, o cónego D.
Francisco de Melo, futuro bispo de Viseu e sobrinho do prelado de Évora, lançou
a primeira pedra da nova fábrica conventual, que foi benzida pelo bispo D. Fr.
Diogo de S. Vicente. Para a construção do convento, foi concedido pela Câmara
Municipal de Montemor-o-Novo uma porção de terreno municipal. A primeira fase
da obra foi concluída em 1629, e apenas em 1643 a obra do convento foi
totalmente concluída.
O edifício, cabeça da sua ordem em
Portugal, planeado para recolher 15 religiosos, sofreu importantes obras de
ampliação de 1712 a 1719, a expensas do padroeiro D. Luís de Vasconcelos e
Sousa, 3.º Conde de Castelo Melhor, famoso ministro de Estado de D. Afonso VI,
celebrizado na condução da Guerra da Aclamação, obras que corresponderam à
feitura do dormitório novo e restauro do velho. Em 1757-59, e ultimamente entre
1827-30, em vésperas da sua extinção o convento beneficiou de importantes obras
de beneficiação.
Na Sala do Capítulo (onde
funcionou a Tesouraria da Fazenda Pública), teve sepultura em 22 de Abril de
1756, o padre fr. António de S. João, filho natural do Rei D. Pedro II, que
morreu de uma apoplexia, com a idade de 64 anos.
Lista documental, onomástica, dos
principais artistas que trabalharam na casa, segundo o “LIVRO DAS DESPEZAS DAS OBRAS QUE/NO COMV.to DE S.JOÃO/DE DEOS DESTA
V.A MAN/DOU FAZER O EX.mo SR. CON/DE DE CASTEL-MELHOR”.
Empreitada de 1712-19 – Mestre de
pedraria, Manuel Pires; mestre de carpintaria, Gregório Pires; mestres de
cantaria, António Fernandes e António da Costa; telheiros, António Rodrigues
(da Lage), António Gil (de Santa Margarida), Luís Alvares (de Santo André) e
Gregório Coelho (de Pavia); mestre serralheiro, Francisco Fialho; cabo da
quadrilha de caretas, Sebastião Vidigal.
Empreitada de 1726-27 – Prior fr.
Bernardino do Rosário e escrivão fr. José dos Anjos. Mestres pedreiros, José
Gonçalves e José Nunes; mestre carpinteiro, Manuel da Trindade; mestre
serralheiro, Manuel Rodrigues.
Empreitada de 1753 – Prior fr.
Manuel Jacinto de Santo António.
Empreitada de 1757 – Prior fr.
Manuel do Sacramento e escrivão fr. Manuel de Santo António. Mestres da obra,
José Ribeiro e Gabriel Álvares; serventes, João Lopes, José Gonçalves,
Agostinho Rodrigues, Manuel Sarmento, Gaspar Nunes, Domingues Mendes, José
Martins e João de Deus: mestre lavrante de pedraria, Rodrigo de Moura;
serralheiro, José Lopes.
Empreitada de 1759 – Prior fr.
Luís da Piedade obteve do Provincial da Ordem, a elevada verba de 325.620 rs.,
destinada à reedificação da casa, sendo escrivães fr. Joaquim do Sacramento e
Sebastião Vidigal Facamelo. Mestres de carpintaria, João Pedro e João
Gonçalves, que fez as grades das janelas do coro; assentador de ladrilho, José
Rodrigues Castelhano. Na obra se empregaram grande quantidade de tabuado de
casquinha, que veio de barco até Aldeia Galega (actual Montijo), pinho
montemorense, cinco milheiros de ladrilhos, um milheiro de tijolo, 1.500 telhas
e 14 moios de cal.
Empreitada de 1827-30 – Escrivão
fr. Francisco de Paula. Obra de pedraria e carpintaria que englobou a execução de 36 lanternas
processionais (5.400 rs), uma coroa de espinhos (1.400 rs.)
Na sequência do referido decreto,
o Convento de S. João de Deus esteve alguns anos desabitado, até que, passou a
ser utilizado como Quartel do Destacamento de Infantaria de Montemor-o-Novo. Em
data que se desconhece o Destacamento Militar foi extinto, e mais uma vez o
convento ficou devoluto. Em 6 de Abril de 1863 o Estado cedeu o convento ao
Município de Montemor-o-Novo, na condição de nele se instalarem repartições
públicas.
Com esse objectivo, iniciaram-se
em 1874 volumosas obras de adaptação que lhe adulteraram a fisionomia
arquitectónica, desfigurando o seu aspecto original. As fachadas do vasto
pavilhão conventual, perderam o merecimento artístico de que dispunham; o
alpendre da portaria desapareceu; a cerca e anexos, que ocupavam na quase
totalidade o actual Largo da Liberdade, levaram o mesmo fim. As portas e
janelas, de vergas e jambas graníticas ou de estuque, de arcos redondos, são
deste período, e as reformas interiores foram tão acentuadas que das suas
dependências originais, seis-setecentistas, pouquíssimo subsistiu que mereça
particularização.
Concluídas as irresponsáveis
obras, logo se instalaram no velho convento, os seguintes serviços estatais:
Tribunal Judicial, Repartição de Finanças, Tesouraria da Fazenda Pública,
Conservatória do Registo Civil, Conservatória do Registo Predial, Cartório
Notarial e Estação dos CTT.
Posteriormente, novas dependências
oficiais se instalaram noutras partes do convento, situadas na Rua de Santo
António: Centro de Saúde, Casa do Povo e
a Casa da Bomba.
No dia 4 de Setembro de 1932, sob
auspícios do Vice Presidente da Câmara, eng.º Adriano da Silva Baptista e
colaboração de Manuel da Silva Claro, se inaugurou um incipiente Museu
Municipal instalado em três salas do corpo alto e no claustro do convento que
poucos anos teve de existência, dispersando-se o seu recheio, constituído por
secções de arqueologia, heráldica e epigrafia tumular sacra e profana,
arbitrariamente, pelo adro e nave da desafectada Igreja de Santiago do Castelo.
Dentre as lápidas sepulcrais conhecidas e valiosas, era citada a ara latina de
uma flamínia e o núcleo, também romano, que Francisco António da Silva Grenho
havia reunido, simultaneamente com pequena colecção de antiguidades, em fins do
século XIX na sua moradia da Rua do Quebra Costas.
Com o decorrer dos anos, e sem
obras de conservação, o Convento foi-se degradando, e essa degradação, obrigou as repartições
públicas ali instaladas, a procurarem novas instalações. Com a transferência em
1977 do Tribunal Judicial para as antigas instalações da Escola Industrial e
Comercial, o velhinho Convento de S. João de Deus ficou devoluto.
Perante este facto, os Irmãos da
Ordem Hospitaleira de S. João de Deus solicitaram à Câmara Municipal a cedência
do espaço que lhes pertenceu. A autarquia não acedeu ao pedido, alegando que
pretendia instalar naquele espaço a Biblioteca Municipal.
Depois das indispensáveis obras de
adaptação, que contaram com o apoio do Instituto Português do Livro e da
Leitura, foi inaugurada no dia 7 de Junho de 1983 a Biblioteca Municipal.
Augusto Mesquita
Junho/2020
Sem comentários:
Enviar um comentário