quinta-feira, 25 de junho de 2020

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


EDUARDO LUCIANO
                               Maggie, a gata
Como qualquer “artista” que preze, há sempre um momento em que convidamos para o nosso palco alguém mais jovem e que se inicia na difícil lide das artes.
Hã uns anos convidei três dos meus filhos a lerem uma crónica em jeito de recado (o meu pai manda dizer) e foi das coisas mais bonitas que fiz.
Hoje já não estão para aí virados, mas tenho uma gata com dois meses que pela atitude independente, pelas garras afiadas e por se estar nas tintas para opiniões correntes, merece que este palco que lhe vou dar.
Chama-se Maggie e manda dizer que não percebe muito bem este mundo onde lhe calhou viver, onde as pessoas não se tocam porque têm medo dos seus iguais mas insistem em que vá para o seu colo para compensações afectivas.
Não entende a raiva que vai por aí contra os humanos mais jovens, nem o piedoso abandono dos mais idosos. Até me perguntou se aquela coisa do meio e da virtude se aplicava à idade em que as pernas ainda mexem mas os sofás têm um íman escondido.
Questionou-me sobre o facto de cada vez mais gente não se importar de hipotecar a liberdade em nome da segurança e de haver humanos que trabalham que se desunham por um prato de “Whiskas”, são transportados em camionetas, comboios e barcos como se fossem gado vivo a caminho do matador e ainda levam com o estigma de andar a transmitir doenças.
Para a Maggie tudo isto é muito estranho e com pouco sentido e fica espantada a olhar para a televisão onde gente que não distingue uma gata dum urso se atreve a emitir opiniões acerca de tudo e quase nada.
Perguntou-me a gata recém-chegada se quando as pessoas se juntam para exigir direitos a transmissão viral é mais perigosa do que quando se juntam para obedientemente irem trabalhar. Já lhe expliquei que os humanos que são proprietários dos meios de produção têm uma noção arrevesada de direitos e liberdades e acham que uma coisa é a liberdade de irem produzir outra bem diferente a liberdade protestarem contra as condições em que trabalham ou o salário que recebem.
Já tive o cuidado de lhe explicar que veio ao mundo num tempo estranho, com uma pandemia instalada, mas ela não entende o que é que isso tem a ver com a desigualdade que se agrava nestes tempos.
Explica-me lá que agitação é essa em torno de uma Festa que acontece lá para Setembro e que de repente parece incomodar muita gente.
Eu explico Maggie. É a Festa do Avante, que se realiza desde 1976 na primeira semana de Setembro e que é assim uma espécie de cidade do futuro que desejamos. É organizada pelos comunistas e admirada por todos os que sem preconceitos a visitam e mais ainda pelos que se atrevem a participar na sua construção para perceber como é possível.
Não sabemos se em Setembro será possível realizá-la, mas pelo sim pelo não já está a ser construída.
Espera, disse-me a minha gata arisca, se é só em Setembro porquê esta agitação toda? Porque têm medo da pandemia?
Não Maggie. Têm medo que o espectro, de que falava o Marx no Manifesto, se abata sobre o mundo.
Levas-me à Festa? Não. Mas trago-te um Cohiba para fumares sentada no quintal.
Até para a semana


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