CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
É crime e
define um carácter, não é um direito nem uma opinião
Falo
do racismo. Do que se perpetua, disfarçado de medo. Temos medo do que é
agressivo e ameaçador. Receamos o desconhecido. Não podemos, nem devemos, fazer
dos nossos receios e medos uma desculpa para julgar, sem provas, o outro. É
isso que, argumentando com desculpas, faz o racista, mesmo quando não chega a
vias de facto e faz uma conversa ligeira. Já só mesmo quando julga, pela
diferença, a aparência.
Vivi
em África, para onde fui com meses, até aos cinco ou seis anos. A minha mãe
nasceu em África, o meu avô paterno nasceu em África. Da família materna, houve
quem ainda regressasse à “metrópole”, houve quem já regressasse a Portugal,
houve quem não regressasse. Como em quase todas as famílias, havia racistas,
como houve quem desse cor à descendência que aumentou e enriqueceu a família
com nova família. Mas nunca assisti ao fim do racismo, a não ser na lei, no
papel.
O
primeiro livro que li e que me fez chorar convulsivamente, teria 12 ou 13 anos,
foi A Cabana do Pai Tomás de Harriet Beecher Stowe. Reli-o adultissima e pensei
que, com aquela linguagem, literária mas uma estopada de época, só mesmo o
enredo e o retrato daquela América esclavagista me podia ter feito chorar
tanto.
Sou,
sinto e vivi isto tudo, mas não sei do que estou a falar: sou branca e funcionária
pública com vínculo ao Estado de um país democrático. Daqueles em que os
eleitores vão ainda percebendo que ir atrás de personalidades que se
autopromovem com o isco anti-sistema, o que sobrevive graças ao mantra “eles e
nós”, só nos desgoverna. Tivéssemos nós dúvidas que aí estão, Trump e
Bolsonaro, eleitos a fazer das deles e a esclarecerem-nos.
Posso
tentar pôr-me na pele de quem nasceu negro e, nessa tentativa, reagir como
seria cada vez que há uma injustiça só por se ser negro. Dificilmente manteria
a calma. Dificilmente não gritaria, desalmadamente, para um dos “deles” que me
fizesse sentir ou lembrar que eu era dos “outros”. Do que eu precisaria mesmo
era de ter ao meu lado tantos quantos fosse possível. E é por isso que eu,
branca, junto hoje a minha voz, aos gritos de todos quantos se sentem, porque
são, maltratados, destratados, ignorados por serem negros. Floyd foi o último
que conhecemos e acabou assassinado. Foi mais uma gota de água num copo que
parece não parar de crescer e nunca parar de se encher. Sim, as tempestades
justificam-se, e não são num copo de água. Vamos a elas, sem ódios. E sem ser
para que fique tudo na mesma…
Até
para a semana.
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