EDUARDO LUCIANO
Crónicas de que tempo?
Confesso
que tenho cada vez mais dificuldades em encontrar motivação para leituras da
realidade deste quotidiano cada vez mais igual, previsível e com desfecho
anunciado.
Os temas são invariavelmente os
mesmos, mudando os cenários e os personagens conforme, a agenda mediática
global.
A pandemia trouxe para a luz do
dia discursos que julgávamos enterrados e ressuscitou personagens que estavam
mortos, embora mal inumados.
A minhoca do fascismo abandonou
os pezinhos de lã e calçou as botas cardadas, O medo transformou-se numa arma
que fica bem ter à mão e os bufos passaram à categoria de cidadãos conscientes
que denunciam outros cidadãos e os medrosos são hoje os heróis da ética, da
responsabilidade e da moral.
O mundo do avesso? Não creio.
Está apenas a girar no sentido que não gosto e a caminhar para um fim que
qualquer livro de história ou de estórias nos apresentará como trágico.
Acontecimentos como a
vandalização de estátuas só servem para acentuar simpatias irracionais com
defensores de ideologias que são classificadas como criminosas no ordenamento
jurídico português, coisa que parece ter sido esquecida por frequentadores do
mercado do comentário televisivo.
Se seguir o princípio da primeira
pista para a motivação de um crime não há dúvidas que temos de procurar em
primeira análise a quem é que ele aproveita. Aí chegados a resposta é fácil.
Um idiota com um cartaz idiota na
mão serviu às mil maravilhas para desvalorizar uma mobilização de protesto
contra o racismo.
Nada disto é novo e não é preciso
recuar à Roma de Nero ou à Alemanha de 1937.
Samuel Quedas, um cantor que vem
da resistência ao fascismo, contava há dias episódios de como a PIDE colocava
os seus agentes nos espectáculos de cantores malditos ao regime e de como
apareciam sempre uns provocadores que parecendo estar do lado da resistência
gritavam uns slogans contra a situação justificando a imediata intervenção que
punha fim ao acontecimento.
Interessando pouco como, o certo
é que durante quase duas semanas não se falou noutra coisa naqueles sítios onde
qualquer arroto conta como opinião e gente como José Miguel Júdice despiu o
fato de homem da “direita civilizada” para assumir as suas convicções de
sempre.
Estão a ver porque cada vez me
custa mais fazer estas crónicas? Estou sempre a falar dos mesmos temas: o medo,
o fascismo, o moralismo, a ausência de pensamento crítico e até de postas de
pescada que são cozinhadas cada vez com menos criatividade.
Dir-me-ão, pois tu falas do que
te preocupa e é isso que te pedem, um olhar sobre a realidade que reflicta a
tua posição política e ideológica. E eu pergunto: serve para alguma coisa?
Coloca alguma pedra, por mais pequena que seja, na engrenagem? Leva alguém a
questionar-se, nem que seja brevemente, sobre os comportamentos Pavlovianos que
os leva a salivar quando o dono do laboratório toca a campainha?
Não me parece.
Bem, se não o faço por prazer e
se duvido (a imodéstia impede-me de dizer outra coisa) da sua eficácia, porque
o faço?
Porque apesar de tudo não temos o
direito de nos calarmos. Porque as bandeiras não foram feitas para deitar ao
chão, porque, como diz a canção do Fausto, atrás dos tempos vêm tempos e outros
tempos hão-de vir. E porque esses tempos não surgem por obra e graça do
Espírito Santo ou do Novo Banco. Surgem da luta diária de todos os que não
desistem e juntam os seus cansaços e desilusões aos que brilhantemente colocam
os seus entusiasmos do lado certo da vida.
Até para a semana
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