quinta-feira, 18 de junho de 2020

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA RÁDIO DIANA/FCM


EDUARDO LUCIANO
                              Crónicas de que tempo?
Confesso que tenho cada vez mais dificuldades em encontrar motivação para leituras da realidade deste quotidiano cada vez mais igual, previsível e com desfecho anunciado.
Os temas são invariavelmente os mesmos, mudando os cenários e os personagens conforme, a agenda mediática global.
A pandemia trouxe para a luz do dia discursos que julgávamos enterrados e ressuscitou personagens que estavam mortos, embora mal inumados.
A minhoca do fascismo abandonou os pezinhos de lã e calçou as botas cardadas, O medo transformou-se numa arma que fica bem ter à mão e os bufos passaram à categoria de cidadãos conscientes que denunciam outros cidadãos e os medrosos são hoje os heróis da ética, da responsabilidade e da moral.
O mundo do avesso? Não creio. Está apenas a girar no sentido que não gosto e a caminhar para um fim que qualquer livro de história ou de estórias nos apresentará como trágico.
Acontecimentos como a vandalização de estátuas só servem para acentuar simpatias irracionais com defensores de ideologias que são classificadas como criminosas no ordenamento jurídico português, coisa que parece ter sido esquecida por frequentadores do mercado do comentário televisivo.
Se seguir o princípio da primeira pista para a motivação de um crime não há dúvidas que temos de procurar em primeira análise a quem é que ele aproveita. Aí chegados a resposta é fácil.
Um idiota com um cartaz idiota na mão serviu às mil maravilhas para desvalorizar uma mobilização de protesto contra o racismo.
Nada disto é novo e não é preciso recuar à Roma de Nero ou à Alemanha de 1937.
Samuel Quedas, um cantor que vem da resistência ao fascismo, contava há dias episódios de como a PIDE colocava os seus agentes nos espectáculos de cantores malditos ao regime e de como apareciam sempre uns provocadores que parecendo estar do lado da resistência gritavam uns slogans contra a situação justificando a imediata intervenção que punha fim ao acontecimento.
Interessando pouco como, o certo é que durante quase duas semanas não se falou noutra coisa naqueles sítios onde qualquer arroto conta como opinião e gente como José Miguel Júdice despiu o fato de homem da “direita civilizada” para assumir as suas convicções de sempre.
Estão a ver porque cada vez me custa mais fazer estas crónicas? Estou sempre a falar dos mesmos temas: o medo, o fascismo, o moralismo, a ausência de pensamento crítico e até de postas de pescada que são cozinhadas cada vez com menos criatividade.
Dir-me-ão, pois tu falas do que te preocupa e é isso que te pedem, um olhar sobre a realidade que reflicta a tua posição política e ideológica. E eu pergunto: serve para alguma coisa? Coloca alguma pedra, por mais pequena que seja, na engrenagem? Leva alguém a questionar-se, nem que seja brevemente, sobre os comportamentos Pavlovianos que os leva a salivar quando o dono do laboratório toca a campainha?
Não me parece.
Bem, se não o faço por prazer e se duvido (a imodéstia impede-me de dizer outra coisa) da sua eficácia, porque o faço?
Porque apesar de tudo não temos o direito de nos calarmos. Porque as bandeiras não foram feitas para deitar ao chão, porque, como diz a canção do Fausto, atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir. E porque esses tempos não surgem por obra e graça do Espírito Santo ou do Novo Banco. Surgem da luta diária de todos os que não desistem e juntam os seus cansaços e desilusões aos que brilhantemente colocam os seus entusiasmos do lado certo da vida.
Até para a semana




Sem comentários: