Cláudia Sousa Pereira
Tuítar
e ler na era dC
Tenho uns
leitores/ouvintes muito simpáticos que, mais ou menos em privado, criticam os
meus textos. São amigos e família que para além do “like” e do emoji enviam
comentários apontando-lhes a densidade difícil. Agradeço muito esta atenção e
aprendo sempre alguma coisa. Aprendo, por exemplo, o tipo de leitor que são e
como tenho de tentar tê-los em conta. E há-os tão diferentes e com interesses
tão variados.
Hoje a crónica é
resultado de uma sugestão que me foi feita por uma muito querida leitora. Como
é uma crónica também é o resultado de uma reflexão sobre o tempo presente.
Sendo pessoa da leitura, também é sobre leitura. Gosto mais de falar do que
sei, embora às vezes arrisque desmontar os assuntos, como se se tratassem de
objectos que não sei como funcionam, para os tentar conhecer melhor e poder
falar um pouco deles. Mas adiante.
Somos mais felizes se
nos adaptarmos aos tempos do que se remarmos contra eles. Talvez fosse mais
correcto dizer “cansamo-nos menos” do que “somos mais felizes”. (Agora terão
talvez de voltar atrás e reler a primeira frase do parágrafo com a mudança das
expressões entre aspas…). Alguns de nós preferem cansar-se mais, enquanto
podem, para serem mais felizes.
Nos tempos que correm há
mais gente a ler. Também há mais gente a ler tweets do que textos de 500
palavras. Gosto de tweets. E não gosto quando uma proposta minha para uma
palestra é avaliada só através de 500 palavras. Há alunos de literatura que se
queixam de que uma resposta em 500 palavras é pouco. Também acontece o
contrário, mas esses normalmente não gostam tanto de ler literatura. Nem têm
tanto a dizer sobre ela.
Sei que nem toda a gente
tem gosto e tempo para ler literatura. Ou até só para ler um texto muito maior
do que um tweet. E por isso cansam-se e distraem-se a meio dos textos. E até
gostam do que estão a ler, mas distraem-se e cansam-se. O texto desencontra-se
do leitor e, como um mau texto, não serve para nada. Mesmo que diga muitas
coisas interessantes. Mesmo que muitas vezes o interesse esteja mais na forma
como diz coisas que todos podem já ter pensado.
Com o passar do tempo,
porque esta não é uma tendência só de agora mesmo, já deu para perceber
consequências deste efeito. O efeito de cada vez nos darmos menos ao trabalho
de ler até ao fim um texto mais extenso e menos óbvio. Esse efeito traz um
defeito: é que já nem os textos mais curtos conseguimos ler e entender como
merecem.
O combate à COVID19
parece vir demonstrar isso mesmo. Nem os tweets com indicações simples que diminuiriam
a sua propagação são seguidas por muita gente. E mesmo os textos curtos, se
facilitam a leitura rápida mas não têm efeito rápido benévolo, por vezes servem
mesmo é a confusão e a desinformação. E a confusão e a desinformação servem a
algumas pessoas, que serão sempre demais porque não são benévolas com os
leitores.
O conselho que devolvo,
recebendo a crítica benévola que me quer dar, amorosamente, mais leitores,
também o vou dar em tweet: aproveite-se a menor distracção que os tempos
COVID19 de confinamento proporcionam para transformar a perda de tempo de ler
textos longos em investimento.
Ler nunca foi um acto
fácil. Quem diz o contrário já se esqueceu do quão difícil foi, ao crescer,
entender o que os outros diziam ou escreviam. Ler implica acompanhar
raciocínios que muitas vezes não são os nossos. Isso é um gesto de interesse,
nem que seja para discordar.
E é por tudo isto que eu
gosto de leitores. Em particular os meus, que me lêem apesar de todos os meus
longos e imbricados textos sobre assuntos de quem toda a gente, afinal, fala.
Espero que um dia, esse esforço de uma leitura difícil, lhes sirva para alguma
coisa. Obrigada.
Até para a semana.
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