MARIA HELENA FIGUEIREDO
À Margem
Estamos tão absorvidos pela crise
sanitária e económica que esta pandemia nos está a trazer que muitos deixam
passar ao lado alguns acontecimentos e factos importantes.
Mas
a crise de Covid 19 não pode ser uma desculpa para abafar tudo o que se passa
nem para limitar a nossa capacidade crítica.
Soube-se
a semana passada de um facto de extrema gravidade ocorrido a 11 de Março no
Aeroporto de Lisboa e que revela a existência de um submundo de impunidade,
indigno de um Estado de direito democrático.
Um
homem ucraniano a quem tinha sido recusada a entrada no nosso país e que estava
detido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto, numa sala a que
acedem apenas os funcionários, foi espancado brutalmente, apresentando lesões
gravíssimas, de tal forma que acabou por vir a morrer. Estava algemado e
agonizou várias horas.
Segundo
a comunicação social, ninguém interveio, nem os outros agentes que ao longo do
dia certamente se encontravam no aeroporto, nem os funcionários da segurança,
ninguém. Foi o médico legista quem comunicou à Polícia Judiciária que o homem
apresentava sinais de brutalidade extrema e essa era a causa da morte.
Mas
para além do espancamento brutal perpetrado pelos seus agentes, o SEF mentiu
sobre a morte deste cidadão estrangeiro, tendo indicado inicialmente que o
homem tinha morrido de epilepsia e que tinha sido encontrado na rua e os seus
dirigentes omitiram o dever de actuação imediata, encobrindo assim o ocorrido.
Três
agentes do SEF presumíveis autores das agressões encontram-se em prisão
domiciliária, as chefias directas que nada fizeram nem procuraram averiguar o
que se tinha passado, foram demitidos mas só duas semanas depois dos factos,
quando se começou a saber do caso. É isto suficiente?
Obviamente
que não é suficiente, nem na medida nem no tempo.
Como
não é suficiente o Primeiro Ministro declarar-se chocado ou o Ministro da
Administração Interna ter instaurado um inquérito. Exige-se mais.
Esta
actuação dos agentes do SEF e a omissão das chefias só é possível dado o
sentimento de impunidade de que gozam.
São
conhecidas as queixas de imigrantes e cidadãos estrangeiros quanto à actuação
do SEF. Claro que este é um caso extremo, mas não é por acaso que sobem as
queixas contra o SEF.
Já
em 2018 a Provedora de Justiça depois de visitas aos CIT, os Centros de
Instalação Temporária e Espaços Equiparados, onde os estrangeiros aguardam por
vezes mais de 1 mês uma decisão sobre o seu repatriamento ou entrada no nosso
país, em declarações à comunicação social classificou estes centros como “um
universo impenetrável” e acrescentou ”Nas prisões a família visita
regularmente, há advogados. Estas pessoas não têm ninguém, é um domínio de
grande obscuridade e é isso que faz com que a preocupação seja grande.
Os CIT são verdadeiro no man’s land contemporâneo”.
A morte deste ucraniano de 40 anos,
que deixou 2 filhos, veio comprovar infelizmente que, para nossa vergonha,
aquele Espaço era terra de ninguém.
É
por isso que face ao que se passou e, independentemente da condenação dos
agentes directos da agressão, o Estado Português deve reconhecer desde já a sua
responsabilidade pela integridade de quem estava sob a sua custódia e assumir
as suas responsabilidades perante a família da vítima.
Mas
espera-se mais. Espera-se que o inquérito seja realizado de forma transparente
e rápida e que dele sejam retiradas as necessárias consequências. Espera-se que
o Estado Português reconheça, não apenas em palavras mas através do
comportamento dos seus serviços e agentes, que os estrangeiros, mesmo em
situação irregular têm direitos e estão em situação especialmente vulnerável
num país que não é o seu, tantas vezes não conhecendo a língua, e espera-se que
o Governo adopte medidas que impeçam qualquer actuação que possa configurar
maus-tratos ou por qualquer via seja violadora dos direitos humanos.
Fiquem
bem, fiquem em casa.
Até
para a semana.
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