o
Eduardo Luciano
o CELEBRAR
ABRIL
E
ao quadragésimo sexto aniversário os saudosistas da ditadura, as vítimas do
revisionismo histórico e os crentes nas histórias da carochinha que uma certa
comunicação foi contando repetidamente, umas vezes com desaforo outras através
de mensagens subliminares, surgiram à tona das águas turvas deste tempo de
medos a assumir frontalmente o seu ódio à esperança semeada em 1974.
Os arquétipos que o fascismo construiu e através dos quais formatou
gerações de portugueses, estão a voltar à superfície de uma forma que não
imaginávamos há uns anos.
O hipócrita respeitador da lei e da ordem quando aplicada aos
outros, o moralista que se agita contra a corrupção de manhã e à tarde vai
pedir um jeitinho a um qualquer conhecido, o que anseia pela autoridade imposta
aos outros pedindo sempre para si aquela excepçãozinha porque é uma pessoa de
bem. O que acha que ser português é pertencer a uma raça distinta e superior da
qual é ele próprio um exemplo vivo. O que acha que os “intelectuais” complicam
tudo só para que o bom povo não perceba e que esta coisa de qualquer
borra-botas poder tirar um curso superior não serve para nada e, claro, o bufo,
que foi o grande recrutador de opositores ao regime para serem torturados e
privados da liberdade.
Claro que não são uma maioria, nunca foram, mas as suas palavras
começam a ganhar adeptos num exército de desiludidos que são levados a
acreditar no primarismo de palavras atiradas ao vento e que tendencialmente são
música para ouvidos cansados.
No contexto que vivemos, em pleno estado de emergência e com
direitos constitucionais suspensos, há quem queira suspender a própria ideia de
democracia e, quem sabe, transformar este período num balão de ensaio para
aventuras futuras.
São uma minoria ruidosa que é preciso combater no dia-a-dia no
campo das ideias mas também no campo da acção política com alternativas claras
e inequívocas às políticas que durante décadas contrariaram os sonhos da
Revolução da Abril.
É preciso demonstrar, na prática, que o caminho não é o regresso a
um passado miserável e obscuro, mas o cumprimento dos ideais de Abril e a
construção de uma sociedade mais justa, onde a riqueza criada por muitos não
seja distribuída por uma ínfima minoria.
Não basta a existência da democracia política, é preciso avançar
na concretização da democracia económica, social e cultural que a Constituição
da República preconiza.
O fascismo não se discute, combate-se. E a melhor forma de o
combater é a concretização dos ideais prometidos em Abril.
Estamos confinados em casa, não podemos celebrar como nos outros
anos com música e fogo-de-artifício e não podemos sair à rua em desfile, mas
exigimos que os que nos representam na Assembleia da República o façam em nome
de todos nós, sem tibiezas nem desculpas, com os cuidados que entenderem
necessários.
O fascismo alimenta-se do medo. Matemo-lo à fome.
Até para a semana
Sem comentários:
Enviar um comentário