Imagino que possa ter sido a inveja,
pueril e por isso piedosamente compreensível, por não poder estar na AR a
comemorar o 25 de Abril ao lado de alguns privilegiados, que levou a que muitos
vociferem que este ano não devia lá haver comemorações oficiais da implantação
da Democracia em Portugal.
Ou isso, ou a oportunidade para suspender
simbolicamente o espírito de Abril, o tal que até passou a permitir
vociferações. Ou isso, ou o orgulho ferido do zelo com que fiscalizam as
cautelas do distanciamento social no seu dia-a-dia como acham, ou têm a certeza
absoluta dos déspotas, de que mais nenhum cidadão do bairro o faz. Ou isso, ou
a desconfiança de que um cidadão por 25m2 num lugar fechado permita a
normalidade que conseguimos manter, evitando um ainda maior descalabro da
economia e da saúde mental colectiva. Ou isso, ou o desejo de que a normalidade
do trabalho de alguns, mesmo condicionada como acontece em muitos locais de
trabalho, não possa conter momentos de celebração, como o são as comemorações
do 25 de Abril na AR. Ou isso, ou o paleio de que os deputados não servem para
nada, o que é argumento anti-democrático e diferente do “estes” deputados não
servem para nada e que leva a alguns irem ciclicamente votar para que mudem ou
se mantenham, que é o que permite também quem não vai votar. Ou isso, ou não
ter percebido que entre 12 de Abril e 25 de Abril se passaram 13 dias, o que,
no controlo sanitário e também social de uma pandemia, quer dizer alguma coisa
sobre a gestão do Tempo. Ou isso, ou viver iludido de que são os festejos
religiosos que invariavelmente dão oportunidade a um fim-de-semana prolongado
que levam a ajuntamentos na Páscoa. Ou isso, ou não terem reparado que no
Vaticano houve comemorações da Páscoa, tão fechadas ao público de fiéis este ano
como, todos esperamos, serão as do 25 de Abril. Ou isso, ou não respeitarem o
facto de que para muitos de nós as cerimónias transmitidas em espaços
simbólicos, seja uma basílica ou um parlamento, ouvindo homilias ou discursos
políticos, tão oficiais uns como outros, são também uma forma de continuarmos a
comemorar. Ou isso, ou estarem-se nas tintas para toda e qualquer comemoração
simbólica, de qualquer espécie, porque o que importa é a sua vidinha, com o
menos chatices possíveis pois claro (quem não?!). Mas para isso não vale a pena
terem trabalho a vociferar. É que se arriscam a parecer mais comentadores de
bola do que defensores de princípios como o do cumprimento da lei.
Posto isto, é isso mesmo – o cumprimento
da lei – que eu espero ver no dia 25 de Abril de 2020, dentro ou fora da AR.
Sem beijar de cruzes. Desculpem, sem ajuntamentos festivaleiros. Quanto a mim,
que é o que menos importa porque continuo a assistir pela TV essa, este ano
única, comemoração da Democracia, sabe-me bem, poder ouvir mais gente a dizer
“25 de Abril sempre” do que uma qualquer atoarda mais moralista do que
intelectual, mais tribalista do que nacional. Ou isso, ou mais nacionalista do
que patriótica.
Até para a semana.
Universidade de Évora Departamento de Linguística e Literaturas CIDEHUS.UÉ Centro interdisciplinar de História,
Culturas e Sociedades
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