Uma crónica sobre
tapetes 1
A
COVID19 veio tirar-nos o tapete debaixo dos pés. É sobre estes tapetes e
efeitos do seu desaparecimento em vários pés que me demorarei nas próximas
crónicas. Ao fim de duas semanas e meia de isolamento social físico, em que
tento – e falta muito pouco para conseguir – trabalhar o dobro, o tempo para
pensar nesta revolução das nossas vidas torna-se no melhor quebra-cabeças, no
microscópio mais preciso, no telescópio mais poderoso. O tempo que podemos
arranjar para recolher, sistematizar e estudar as ideias a partir dos factos
que nos chegam, sobretudo, através do discorrer de palavras que nos recordam,
ou alertam para, a realidade. E que de preferência nos venham a servir de
tópicos para lições futuras.
Vou
começar pela política local, normalmente dada a questiúnculas que parecem mais
ridículas ainda quando comparadas com as questões planetárias prementes, mas
que têm um impacto importante no bem-estar quotidiano e nas necessidades
básicas dos cidadãos. Sobretudo dos que já estavam mais confinados ao local,
sem possibilidade de escape. E se vou falar do local, que seja de Évora onde,
mais uma vez, se reflecte agora o espírito treinado, entre 2001 e 2013, para se
fixarem as atenções e reivindicações, bem como as formas de as concretizar em
torno de três problemas que como outros agora, dir-me-ão, diz muito sobre o
nível de importância dos mesmos na vida que nos espera.
Ora,
então, o actual executivo da Câmara de Évora dizia que estavam mal: as finanças
do próprio município, as actividades culturais oferecidas aos seus munícipes e
a limpeza do espaço público. Imagine-se, agora, como vai ser a vida de quem,
apostou em reequilibrar as finanças no tempo em que esse era um objectivo
nacional – estávamos todos na mesma, a sair da crise – e em que o fez
começando, nos primeiros quatro anos, a recolher os frutos do esforço anterior
em tornar Évora atraente para empresas e negócios. A pandemia de crise
económica que se seguirá depois de tratada a da saúde, tirará esse capacho dos
pés do município que, com o risco de parar de servir quem deve, terá de
desequilibrar a sua própria casa para continuar a servir as dos cidadãos. Ou
então não serve para nada, de finanças arrumadinhas num capacho e o resto do
chão por tapar.
E o
tipo de actividade cultural em que se apostou tanto – na rua e dependente de
uma cara logística de deslocações internacionais, porque assente em pouco
auto-suficientes, mesmo que excelentes, agentes – tornar-se-á, quer-me parecer,
no tapete cada vez mais mágico e difícil de encontrar, e com pouco espaço para
que muitos se sentem nele e, com todo o direito que têm, viajem.
Resta
varrer o quintal. O que já se fez com todo o afã usando o glifosato e que, e
bem, uma vez denunciado levou a investimento em alternativas que, obviamente,
podem até fazer parecer as ruas mais limpas, mas não evitam que a pandemia
chegue a Évora.
Quando
fazer política, metaforicamente se transforma num mero exercício doméstico de
espalhar lixo para que outros tenham de o apanhar, para que depois se apareça
armado em bate-escova-aspira, mas com os mesmos ou piores recursos e engenho
para resolver o problema que era salvação; e se procure esconder o lixo debaixo
do tapete, quando este é puxado por uma força cósmica, o que ficará à mostra
não é bonito. E isso quase justifica que um presidente de Câmara faça um
discurso de sete minutos aos cidadãos em que não diga absolutamente nada. Como
foi, de facto, o caso.
Até
para a semana.
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