MARIA HELENA FIGUEIREDO
Solidariedade ao avesso
Todos nós – ou quase todos – sentimos um saborzinho a
desagravo quando ouvimos António Costa a classificar como repugnantes as
palavras do Ministro das Finanças holandês no Conselho Europeu, que em vez de
mostrar solidariedade com a situação em Itália e em Espanha veio dizer que era
preciso era averiguar porque é que estes países não conseguiam ter meios
financeiros suficientes para combater a crise de COVID19.
Palavras imorais que
fizeram lembrar o outro ministro holandês, quando em plena crise das dívidas
soberanas, disse que gastávamos o dinheiro em vinho e mulheres e teve como
reacção um governo de cabeça baixa “atento, venerador e obrigado”.
Mas António Costa
continuou dizendo que “Se não nos respeitamos uns aos outros e se não
compreendemos que, perante um desafio comum, temos de ter capacidade de
responder em comum, então ninguém percebeu nada do que é a União Europeia”.
E é aqui que discordo
de António Costa. Não do que ele disse mas do que lhe está subjacente, ou seja,
da ideia bondosa de que a União Europeia está lá para responder em comum aos
desafios comuns.
Pois eu acho que é
precisamente o contrário. Esta crise COVID19 vem é tornar vais visível aquilo
que muita gente se tem recusado a ver, mas que é recorrente.
A solidariedade
europeia é uma miragem.
As medidas
anunciadas, pela Comissão, um pacote de 1.000 milhões de euros para Portugal,
destinado a equipamentos médicos para combate ao COVID 19 é apenas a
“autorização “para se usarem no combate à pandemia os fundos do Portugal 2020,
fundos que já são nossos.
A União Europeia tem
mostrado que é tudo menos união e que o que esteve na sua génese – a criação do
mercado comum – prevalece, e que o alargamento sucessivo a mais países teve
motivações, primeiro, de alargamento do mercado para a colocação da produção
dos países mais industrializados, e da finança depois.
A criação do Euro, a
que o governo de então aderiu logo para ficar “no pelotão da frente”, foi o
instrumento que permitiu que, desde essa data, cada alemão e a cada holandês
beneficiassem de mais 21.000 e 23.000 euros, à custa do empobrecimento dos
cidadãos dos países do sul. Cada italiano perdeu 56.000 euros.
A Holanda, “paraíso
fiscal” para onde as grandes empresas portuguesas transferem os lucros, tem
custado a Portugal na última década milhares de milhões de euros de receita
fiscal.
Durante a crise das
dívidas públicas a “solidariedade” da União traduziu-se na imposição do
empobrecimento dos trabalhadores de Portugal e dos outros países da periferia.
Foi a precarização do trabalho e perda de rendimentos, a redução de prestações
sociais, a privatização de sectores estratégicos da economia, que hoje nos
retira muita da possibilidade de desenvolvimento e o desarmamento do Estado
Social, que deixou o nosso Serviço Nacional de Saúde em grande fragilidade.
As ajudas solidárias
às periferias tiveram sempre como contrapartida a cobrança de juros altos, o
desarmamento da concorrência, a aplicação de austeridade, que conduziram ao
enriquecimento da Alemanha e da Holanda e que lhes permite terem excedentes
orçamentais.
É esta contabilidade
que António Costa tem de apresentar na negociação europeia para mutualização da
dívida a contrair, os chamados eurobonds, ou para outra solução que não sejam
migalhas com austeridade associada, sem esperar por aquela “solidariedade” que
sempre se tem mostrado interesseira. Porque esta é a linguagem que percebem.
Para defender os
cidadãos e a economia, Portugal e os restantes países devem coordenar-se e,
solidariamente, adoptar as medidas que sejam necessárias. E se houver que
escolher, que os cidadãos estejam à frente das regras europeias. António Costa
com a sua atitude desassombrada ganhou margem de manobra ao nível europeu e
deveria usar esse capital para tomar agora a dianteira.
Fiquem em casa.
Até para a semana.
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