EDUARDO LUCIANO
O medo, a guerra e
o precedente
Vivemos num verdadeiro estado de
excepção com a disseminação global de um vírus que ameaça a nossa saúde, a
nossa forma de viver e que parece ameaçar o que até aqui parecia distinguir a
humanidade dos restantes seres vivos: a racionalidade.
Confinados
aos contactos mínimos, preocupados com a possibilidade de nos faltarem produtos
essenciais, com medo que que alguns dos nossos próximos sejam tocados pela
pandemia, o nosso melhor e o nosso pior é revelado como uma epifania escondida
pelas máscaras do quotidiano previsível.
Gente
aparentemente sensata desata a divulgar informações de que desconhece a origem,
propõe medidas das quais só conhece o impacto do título, chega-se à frente para
se atribuir a importância de ter informação que mais ninguém tem porque conhece
uma prima que tem uma tia que é avó de uma médica que trabalha no hospital que
não se lembra o nome.
Gente
aparentemente timorata fica ofendida porque existem pessoas que fazem humor com
a situação ou simplesmente que sorriem no local de trabalho, como se uma atitude
diferente se lhes pudesse aplacar os medos que se agitam à sua frente.
A
tranquilidade parece-lhes insultuosa perante as suas manifestações de
preocupação, como se o medo legítimo tivesse que ser representado pelo cenho
cerrado, pela frase ríspida ou por alguma forma de histeria.
Nestes
momentos também existem os que insistem em fazer guerrilha política espalhando
ódio e tentando obter algum lucro político com frases desprovidas de sentido,
partilhadas em esgoto a céu aberto, e os que aproveitam para vestir o colete da
protecção civil, que têm na gaveta por inerência de funções, para se anunciarem
como humildes salvadores da pátria.
No
meio de tudo isto há aqueles que arriscam a vida em silêncio, esgotando-se a
trabalhar em contextos de elevado risco, para salvar vidas e garantir que esta
guerra mais tarde ou mais cedo acabará por ser ganha. Mas até nesse ambiente há
quem não aguente a pressão do medo e desate a incendiar as redes sociais com
apelos que a única coisa que provocam é pânico numa sociedade já de si
assustada.
A
situação é muito grave, mas se não formos capazes de apelar a tudo o que é
racional em nós, tudo pode piorar.
E
é neste contexto que é declarado o estado de emergência com as consequentes
supressões de direitos, liberdades e garantias que todos os que nasceram depois
de Abril de 74 têm como adquiridas desde sempre.
Não
sei qual o impacto que esta decisão tem no combate à pandemia, nem este é o
momento para o discutir, mas acho que sei qual o impacto que terá no futuro
político do País este gravíssimo precedente porque, como dizia alguém, “eles
andam aí”.
Hoje
de manhã a minha enteada, que tem oito anos, disse-me: eu tenho alguns medos
porque como ainda sou pequena não sei muitas coisas.
Até
uma criança de oito anos consegue associar o medo à ignorância.
Protejam-se,
sigam as instruções de quem deve saber e portem-se como seres humanos
solidários. Já agora sorriam e façam sorrir os que vos rodeiam, porque o humor
também combate ao nosso lado.
Até
para a semana
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