quinta-feira, 19 de março de 2020

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA RÁDIO DIANA/FM


                                                                         EDUARDO LUCIANO
                           O medo, a guerra e o precedente
Vivemos num verdadeiro estado de excepção com a disseminação global de um vírus que ameaça a nossa saúde, a nossa forma de viver e que parece ameaçar o que até aqui parecia distinguir a humanidade dos restantes seres vivos: a racionalidade.
Confinados aos contactos mínimos, preocupados com a possibilidade de nos faltarem produtos essenciais, com medo que que alguns dos nossos próximos sejam tocados pela pandemia, o nosso melhor e o nosso pior é revelado como uma epifania escondida pelas máscaras do quotidiano previsível.
Gente aparentemente sensata desata a divulgar informações de que desconhece a origem, propõe medidas das quais só conhece o impacto do título, chega-se à frente para se atribuir a importância de ter informação que mais ninguém tem porque conhece uma prima que tem uma tia que é avó de uma médica que trabalha no hospital que não se lembra o nome.
Gente aparentemente timorata fica ofendida porque existem pessoas que fazem humor com a situação ou simplesmente que sorriem no local de trabalho, como se uma atitude diferente se lhes pudesse aplacar os medos que se agitam à sua frente.
A tranquilidade parece-lhes insultuosa perante as suas manifestações de preocupação, como se o medo legítimo tivesse que ser representado pelo cenho cerrado, pela frase ríspida ou por alguma forma de histeria.
Nestes momentos também existem os que insistem em fazer guerrilha política espalhando ódio e tentando obter algum lucro político com frases desprovidas de sentido, partilhadas em esgoto a céu aberto, e os que aproveitam para vestir o colete da protecção civil, que têm na gaveta por inerência de funções, para se anunciarem como humildes salvadores da pátria.
No meio de tudo isto há aqueles que arriscam a vida em silêncio, esgotando-se a trabalhar em contextos de elevado risco, para salvar vidas e garantir que esta guerra mais tarde ou mais cedo acabará por ser ganha. Mas até nesse ambiente há quem não aguente a pressão do medo e desate a incendiar as redes sociais com apelos que a única coisa que provocam é pânico numa sociedade já de si assustada.
A situação é muito grave, mas se não formos capazes de apelar a tudo o que é racional em nós, tudo pode piorar.
E é neste contexto que é declarado o estado de emergência com as consequentes supressões de direitos, liberdades e garantias que todos os que nasceram depois de Abril de 74 têm como adquiridas desde sempre.
Não sei qual o impacto que esta decisão tem no combate à pandemia, nem este é o momento para o discutir, mas acho que sei qual o impacto que terá no futuro político do País este gravíssimo precedente porque, como dizia alguém, “eles andam aí”.
Hoje de manhã a minha enteada, que tem oito anos, disse-me: eu tenho alguns medos porque como ainda sou pequena não sei muitas coisas.
Até uma criança de oito anos consegue associar o medo à ignorância.
Protejam-se, sigam as instruções de quem deve saber e portem-se como seres humanos solidários. Já agora sorriam e façam sorrir os que vos rodeiam, porque o humor também combate ao nosso lado.
Até para a semana


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