CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
É preciso é que
todos fiquem bem…
Habituámo-nos
a ouvir a quem já viveu muito (advérbio e quantificador algo incerto e de
preferência o mais elástico possível, pronunciado com prolongado “u” na
primeira sílaba) expressões de fé mesmo sem Deus lá dentro.
“É
preciso é que todos fiquem bem” podia ser uma delas. Mas é, de certezinha, uma
espécie de refrão pronunciado por uma personagem, o Capitão Andrade, de um
conto de Mário de Carvalho de que terei de falar numa das aulas à distância a
dar nestas semanas do resguardo, preventivo da quarentena ou, na pior das
hipóteses, da baixa.
Estamos
a viver o segundo momento verdadeiramente transformador da história da
Humanidade deste século. O segundo em vinte anos. A coisa anda a ritmo de
bytes, esperando que à velocidade se junte a capacidade de memória. Dos dois –
9/11 e COVID19 – ficará, de certezinha, o mesmo que ficaram de todos os outros,
uma moeda cunhada nas duas faces por representações diferentes do mesmo tema: o
medo. O vencido e o instalado, o ultrapassado pelos integrados e o
instrumentalizado pelos apocalípticos (para usar a referência a uma obra de
autor que revisito e cito constantemente, Umberto Eco).
O
medo do desconhecido e o medo do Outro, também eles duas versões do mesmo
adversário, que unem e separam, que nos fazem avançar e recuar no caminho do
progresso. Caminho sem fim à vista nem limites de velocidade.
Só
quando tudo estiver resolvido, poderemos procurar culpados e heróis. Para já
remetemo-nos à nossa condição de personagens de enredo que parece saído de um
exercício de escrita criativa e colectiva, cujos autores escolhidos estão à
prova e só no fim se saberá se temos arte ou outra coisa. Mas sempre com o
risco, que ouvimos tantas vezes aos bons escritores, de as personagens deixarem
de obedecer ao seu criador e ganharem vida própria. E no fim só “é preciso é
que todos fiquem bem”. Vamos ficando nós por aqui, a trocar umas impressões
sobre o assunto. Cuidem-se, porque se isto corre mal a alguns pode e vai correr
mal a muitos.
Até
para a semana!
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