quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

MEMÓRIAS CURTAS - Rubrica mensa do Professor Vitor Guita

2020 é ano bisseto e marca o início de um novo decénio. Todas as décadas acabam por ficar reconhecidas devido a acontecimentos marcantes.
Há sessenta anos, no raiar do mês de Janeiro, era inaugurada a Escola Industrial e Comercial de Montemor- o – Novo.
No passado dia 4, um grupo de antigos alunos e professores assinalaram festivamente a efeméride com a realização de um almoço de confraternização onde não faltaram beijos e abraços, expressões de surpresa e de júbilo pelo reencontro. Que bom foi comemorar a criação de uma escola de forma tão calorosa, tão amiga. Uma escola com coração!
Toda esta atmosfera positiva serviu de estímulo para deixarmos aqui, nestas nossas Memórias de início de ano, algumas recordações avulsas sobre a antiga Escola Técnica. Apoiamo-nos em conversas com ex-alunos e professores, na leitura da edição especial do jornal O Montemorense (1968) e no testemunho escrito do nosso amigo e antigo aluno João Gentil.
No início dos anos 60, a Escola Industrial e Comercial de Montemor-o-Novo veio preencher uma lacuna no ensino público da então vila alentejana. A instituição criada oficialmente pelo Decreto nº 42368 de 4 de Julho de 1959, entrou em funcionamento no início do ano seguinte.
Enquanto não foi construído um complexo escolar de raiz, bem equipado, a instalação fez-se no edifício da antiga Escola Masculina da vila, na Rua de Avis , onde teve a sua Sede. Para o funcionamento das oficinas de serralharia, houve necessidade de utilizar como anexos dois armazéns situados em frente, onde funcionou, em tempos, a União Metalúrgica. O edifício Sede, claramente insuficiente, foi objecto de obras de beneficiação, nomeadamente a construção de algumas salas para aulas e para actividades femininas. Houve ainda necessidade de recorrer a outras instalações escolares da vila.
O corpo docente era composto por professores e mestres, efectivos e contratados, sob a orientação do Dr. Adriano Joaquim Vaz Velho Junior, seu director desde o início, homem superiormente dotado intelectualmente, de um profundo humanismo e fino trato. O nosso amigo Manuel Filipe Vieira, em conversa que tivemos, definiu-o como homem fabuloso. Além de reconhecida competência, enquanto professor-director da Escola, onde era respeitado e estimado por colegas de profissão, funcionários e alunos, o Dr. Vaz Velho era um homem multifacetado. Era conhecido o seu interesse pela telegrafia. Segundo apurámos, o professor possuía a carta de operador de rádio amador e chegou a ter um posto emissor, com o qual podia comunicar com o mundo inteiro. Estivemos depois, com o amigo Vieira, a recordar as aulas de Esperanto na Sociedade Pedrista, ministradas por Vaz Velho e que geraram grande entusiasmo. A revista Arte Mágica (1968) refere ainda o interesse do professor elo ilusionismo e dá-nos notícia do reconhecimento que ele merecia junto da comunidade ilusionista. Vimo-lo por diversas vezes, especialmente em festas escolares, executando números com aros chineses.
A escola Industrial e Comercial tinha bastante dinâmica. A exposição anual de trabalhos escolares atraía às instalações da Rua de Avis um público numeroso, dando a conhecer aos visitantes os resultados do ensino ali ministrado. Alguns professores e alunos guardam fotografias dos trabalhos executados e que ainda hoje os enchem de orgulho. Os rapazes produziam objectos especialmente em madeira e em metal, e o sector feminino dedicava-se a trabalhos em lã, linha e outros materiais.
O prof. António Nobre cedeu-nos a fotografia de uma maquete de sala de aula, construída pelos alunos nas aulas de Trabalhos Manuais. A maquete esteve exposta na nossa Escola e noutras do Distrito e, por onde passou, deliciou os olhos dos visitantes. 
Alguns destes trabalhos antecipavam aquilo que seria a actividade futura de muitos jovens aluno. O Curso Industrial foi um alfobre de bons profissionais que viriam a trabalhar nos grandes estaleiros navais e noutras indústrias. Também a criação do Curso Comercial gerou número apreciável de recursos humanos para a administração pública, para a banca e para outras empresas comerciais.
Muito animados e concorridos eram os bailes e também os espectáculos das festas de finalistas, onde aconteciam em palco momentos de teatro e poesia, de música, de humor, de dança. E tudo era preparado dentro de instalações acanhadas, sem grandes equipamentos.
Na área desportiva, apesar dos escassos recursos, alunas e alunos da Escola de Montemor davam cartas especialmente nas competições de voleibol e nas corridas de fundo. Não raras vezes, durante os treinos, as bolas voavam por cima das grades de ferro que davam para a avenida e eram arrastadas pelos carros que por ali passavam, o que provocava preocupação e desalento na rapaziada. A compra de uma nova bola era geralmente motivo de grande regozijo.
Alem das aulas curriculares, havia ainda tempo para as chamadas actividades circum-escolares, de que destacamos a prática do aeromodelismo. O Rossio, o campo de futebol e os terrenos planos do Benalfange eram lugares escolhidos para experimentar os pequenos aviões.
Professores e funcionários contribuíam para um bom clima de escola, organizando actividades/convívios entre si e com outros estabelecimentos de ensino. Era o caso dos intercâmbios com as escolas congéneres de Estremoz e Abrantes. Antes do almoço jogava-se uma futebolada e, após o repasto, havia cantigas, momentos de poesia e números de ilusionismo. Uma festa!
A construção de uma nova escola, com instalações condignas, era uma das aspirações da comunidade educativa. Enumerar as falhas então sentidas equivale a ler uma interminável ladainha: Falta de um ginásio bem equipado; falta de laboratórios; falta de cantina; falta de salas de leitura e convívio; falta…falta…falta…Tanta falta valoriza ainda mais a tarefa de todos aqueles que dirigiram, trabalharam e ali estudaram. Foi preciso esperar pelos meados da década de setenta para que o sonho da construção de uma nova escola (Escola Secundária) fosse realidade.
Quase a terminar estas nossas Memórias, não queríamos deixar de referir o testemunho escrito que nos foi deixado pelo ex-aluno e amigo João Gentil, onde este expressa, entre muitas outras lembranças e reflexões, a sua profunda gratidão à Escola que o ajudou no seu percurso de vida e que permitiu a jovens e não jovens o acesso a cursos que viriam a transformar o ambiente escolar e cultural de Montemor-o-Novo. Segundo ele o modesto Curso Comercial por ele frequentado e concluído em Agosto de 1966 veio a ser suficiente para o salto profissional, não só para ele, como para bastantes colegas que a tal se aventuraram, alguns já com idade avançada, mas aos quais nunca faltou entusiasmo e que foram um grande exemplo.
A propósito de alunos com mais idade e do prazer de estudar, terminamos com uns belíssimos versos da autoria de um grande poeta montemorense, Manuel Justino Ferreira. Em 1966, o Manuel Justino frequentava a Escola Industrial e Comercial, ao mesmo tempo que o filho Manuel Henrique estudava no Externato Mestre de Avis. A estrofe está inscrita numa das paredes do átrio da velha Escola e diz assim:
Eu à noite, ele de dia,
Seguimos o mesmo trilho.
Dois estudantes! Que alegria
Ser colega do meu filho!
E pronto estimado leitor. Até breve.
Vitor Guita
In Montemorense – Janeiro 2020

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