MARIA HELENA FIGUEIREDO
Viver não pode ser
uma condenação
“É Indigno ter de morrer sozinho. É Indigno morrer na clandestinidade”.
Estas
foram palavras proferidas por um cidadão espanhol, vítima de doença terminal e
com sofrimento insuportável, que filmou o seu suicídio, sozinho para não
comprometer ninguém.
Esta
semana Luís Marques, um tetraplégico de 63 anos, veio a público pedir que lhe
seja reconhecido o direito a morrer, em vista do sofrimento que classificou
como indescritível e insuportável.
É
um homem absolutamente consciente, dependente há anos até para respirar, que já
recebeu cuidados paliativos, tão determinado em ser dono da sua morte que está
a recorrer à Suiça, para terminar o sofrimento.
São
casos reais que nos confrontam com o direito fundamental, de cada um de nós, se
determinar quando uma doença incurável, a morte é próxima e o sofrimento
ultrapassa os limites do suportável.
É
este confronto com a nossa humanidade, com o reconhecer-se ou não o direito de
cada cidadão poder, nessas circunstâncias, pedir ajuda para pôr fim ao
sofrimento, que o Parlamento vai decidir na próxima semana.
Vários
países europeus têm regulamentação para a morte assistida; a Espanha aprovou há
uma semana a lei da Eutanásia.
Ter
de viajar para poder morrer com dignidade é uma violência e mesmo assim só
acessível às classes sociais mais elevadas. Há portugueses a ir ao estrangeiro
morrer, outros adquirem a morte em forma de comprimidos pela internet.
Este
dia 20, na Assembleia da República, os nossos deputados e deputadas vão ser
chamados a decidir se alargam o espaço de tolerância neste país. Vão ser
chamados a decidir se a morte assistida, que muitos designam por eutanásia,
deixa de ser crime em Portugal.
Se
os deputados aprovarem a lei, e há vários projectos em discussão, não se estará
a legalizar a morte apenas porque a alguém já não apetece viver, ou para poupar
em serviços médicos. Estarão a reconhecer o direito de cada um e cada uma a
dispor da sua vida e da sua morte.
As
campanhas contra a eutanásia, têm apostado na desinformação e no medo, como já
tinha acontecido com a lei do aborto, como se a existência da lei se traduzisse
numa obrigação de morrer e não num direito que alguns exercerão.
A
Igreja Católica, que em 2018 dizia que a vida não é referendável, apoia agora a
realização de um referendo, não porque queira, de facto, ouvir o povo mas
porque essa será uma forma de retardar ou eventualmente bloquear o processo, e
à saída das missas recolhem-se assinaturas, como nas homilias se apela à
mobilização contra a aprovação da lei.
Frases
como “Não matem os velhinhos” que apareceu num cartaz numa manifestação de
conservadores em 2018 ou “não matem” como diz agora Jerónimo de Sousa, são
formas grosseiras e torpes de confundir. A morte assistida ou eutanásia, não é
um acto praticado por alguém que mata outrem contra a vontade deste. É, pelo
contrário, um acto de respeito pela vontade individual de alguém em sofrimento
extremo, que tem de estar consciente e na posse das suas faculdades mentais,
não só quando pede o fim da vida, mas no próprio acto, tem de ser sempre
avaliada por médicos e é revogável até ao último segundo.
Conviver
com a dor e o sofrimento, quando a morte é inevitável e próxima, ver a sua
própria degradação física e psicológica, muitas vezes levando a perda do
reconhecimento da sua imagem, não pode ser imposto a ninguém.
Como
dizia Luís Marques na entrevista que deu, a sua condição de tetraplégico não
lhe permite determinar a sua vida, que, ao menos, possa determinar a sua morte.
Até
para a semana!
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