Os números redondos
e a constância
No passado dia 21 foi apresentado em
Montemor-o-Novo o Roteiro Literário Levantado do Chão. Trata-se de uma rede de
percursos temáticos incluídos em duas grandes rotas e três pequenas rotas, com
vinte e seis pontos com interesse interpretativo da obra de José Saramago,
Levantado do Chão.
Os
parceiros deste roteiro são a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, a Câmara
Municipal de Lisboa, a Câmara Municipal de Évora, o Museu do Aljube e a
Fundação José Saramago.
O
Concelho de Évora tem apenas um ponto neste roteiro, junto à praça de touros,
que serve para ilustrar e interpretar um momento daquela obra de Saramago.
Estávamos
em 1937 e o regime salazarista promoveu um comício, nas palavras do autor, “um
comício a favor dos nacionalistas espanhóis, é um comício contra os
comunistas”.
Para
esse comício foram arrastados pelos feitores muitos trabalhadores rurais, sob
as mais diversas ameaças entre as quais a fome que a falta de trabalho
agravava.
É
neste momento da obra Levantado do Chão que o seu protagonista João Mau-Tempo
parece tomar consciência de classe e adquire uma atitude verdadeiramente
revolucionária perante a exploração, constituindo o episódio a mais importante
na viragem na narrativa.
A
importância deste roteiro vai muito para além do inegável interesse literário e
constitui-se mesmo como uma viagem às memórias dos tempos da ditadura fascista
e da desenfreada exploração do proletariado agrícola do Alentejo, nestes tempos
ameaçadores em que gente que não faz a mínima ideia do que foi viver em
ditadura se esforça por a valorizar.
Estava
a pensar no meu discurso durante a apresentação, pegando nos quarenta anos da
edição, pela Editorial Caminho, da primeira obra onde Saramago mandou a
convenção da pontuação às malvas (julgo que lá pra a página 27 ou 28) quando me
lembrei que nesse mesmo ano, em Agosto, comecei a trabalhar na mesma editora
numa tarefa de grande responsabilidade: arrumar o economato. Passaram quarenta
anos e quase não dei por isso. É bom não ter dado por isso.
Por
falar em números redondos, esta é, segundo as minhas contas, a crónica número
quinhentos para a DIANAFM. Passaram catorze anos e quase não dei por isso. É
bom não ter dado por isso.
Volto
a Saramago e ao Levantado Chão, mais propriamente ao nome do cão que aparece no
final do romance sempre à frente do personagem. Chama-se Constante e a
propósito dele viajo até uma canção do Zeca: “a velha história ainda mal
começa/ Agora está voltando ao que era dantes/ Mas se há um camarada à tua
espera/ Não faltes ao encontro e sê constante”.
Se
a minha prima não se chamasse Zulmira, haveria de gostar de se chamar
Constância.
Até
para a semana
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