quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA RÁDIO DIANA/FM

                                                     EDUARDO LUCIANO

    Os números redondos e a constância
No passado dia 21 foi apresentado em Montemor-o-Novo o Roteiro Literário Levantado do Chão. Trata-se de uma rede de percursos temáticos incluídos em duas grandes rotas e três pequenas rotas, com vinte e seis pontos com interesse interpretativo da obra de José Saramago, Levantado do Chão.
Os parceiros deste roteiro são a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, a Câmara Municipal de Lisboa, a Câmara Municipal de Évora, o Museu do Aljube e a Fundação José Saramago.
O Concelho de Évora tem apenas um ponto neste roteiro, junto à praça de touros, que serve para ilustrar e interpretar um momento daquela obra de Saramago.
Estávamos em 1937 e o regime salazarista promoveu um comício, nas palavras do autor, “um comício a favor dos nacionalistas espanhóis, é um comício contra os comunistas”.
Para esse comício foram arrastados pelos feitores muitos trabalhadores rurais, sob as mais diversas ameaças entre as quais a fome que a falta de trabalho agravava.
É neste momento da obra Levantado do Chão que o seu protagonista João Mau-Tempo parece tomar consciência de classe e adquire uma atitude verdadeiramente revolucionária perante a exploração, constituindo o episódio a mais importante na viragem na narrativa.
A importância deste roteiro vai muito para além do inegável interesse literário e constitui-se mesmo como uma viagem às memórias dos tempos da ditadura fascista e da desenfreada exploração do proletariado agrícola do Alentejo, nestes tempos ameaçadores em que gente que não faz a mínima ideia do que foi viver em ditadura se esforça por a valorizar.
Estava a pensar no meu discurso durante a apresentação, pegando nos quarenta anos da edição, pela Editorial Caminho, da primeira obra onde Saramago mandou a convenção da pontuação às malvas (julgo que lá pra a página 27 ou 28) quando me lembrei que nesse mesmo ano, em Agosto, comecei a trabalhar na mesma editora numa tarefa de grande responsabilidade: arrumar o economato. Passaram quarenta anos e quase não dei por isso. É bom não ter dado por isso.
Por falar em números redondos, esta é, segundo as minhas contas, a crónica número quinhentos para a DIANAFM. Passaram catorze anos e quase não dei por isso. É bom não ter dado por isso.
Volto a Saramago e ao Levantado Chão, mais propriamente ao nome do cão que aparece no final do romance sempre à frente do personagem. Chama-se Constante e a propósito dele viajo até uma canção do Zeca: “a velha história ainda mal começa/ Agora está voltando ao que era dantes/ Mas se há um camarada à tua espera/ Não faltes ao encontro e sê constante”.
Se a minha prima não se chamasse Zulmira, haveria de gostar de se chamar Constância.
Até para a semana


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