EDUARDO LUCIANO
O medo
Se há catalisador do pior que os
seres humanos podem ter dentro de si, esse título vai para o medo.
É
o medo de que o outro ocupe o espaço que julgamos nosso que promove a xenofobia.
É o medo do julgamento social que leva alguns (muitos) a não fazerem o que
acham certo mas a optarem por aquilo que acham, à partida, aceitável pelas
convenções vigentes.
É
o medo de perder eleições que faz com que alguns tomem as piores decisões apenas
porque acham que as melhores não são as mais populares.
É
o medo que faz com que pessoas razoáveis e inteligentes se transformem em
progenitores afectados pela “síndrome da hiperparentalidade” transmutando os
seus filhos em flores de estufa e as outras crianças em ameaças permanentes.
É
o medo de ficar só que faz com que alguns suportem a maior das solidões,
passando a vida a derramar azedume sobre quem está à sua volta, como se
vivessem com um citrino embutido numa qualquer parte recôndita do corpo.
É
da soma de muitos medos, que resultam em supostas opiniões muito assertivas,
que nascem os movimentos de massas que acabam em fascismos assentes no ódio
mais básico à diferença, ao pensamento complexo e à linguagem que não se resuma
ao binário verdadeiro/falso.
Toda
esta conversa vem a propósito do incutir de uma sistemática cultura do medo por
parte da comunicação social dominante, com a proliferação de notícias (é um
eufemismo) sobre assaltos, homicídios, incêndios, quase quedas de aviões que
afinal não caíram e de terríveis epidemias que contaminam cidadãos que afinal
não estão contaminados.
Chego
a imaginar um chefe de redacção de um qualquer tablóide a gritar para dentro da
sala de trabalho: vamos lá procurar uma notícia que assuste esta malta, que eles
ficam presos à pantalha como nos filmes de terror.
Nos
últimos dias é isto que tem acontecido com o coronavírus e as possibilidades de
uma pandemia à escala global que afinal parece não se concretizar.
Claro
que temos de estar informados sobre a evolução do alastrar da contaminação
viral, mas valerá a pena abrir um telejornal com a notícia que um cidadão foi
internado com a suspeita de estar infectado, para umas horas depois noticiar
que afinal não estava?
Em
que é que a primeira notícia contribuiu para proteger fosse quem fosse? E se
não tivesse sido dada a primeira notícia será que fazia sentido dar a segunda?
Nada
disto parece fazer sentido e somos levados a pensar que os órgãos de
comunicação são dirigidos por dementes que promovem o medo pelo medo.
Mas
não é verdade. Não só não são dementes como sabem muito bem o que fazem e sabem
que o medo é catalisador e paralisante em simultâneo. Promove o pior de nós e
inibe-nos de fazer o que devemos e isso dá um jeitão à onda de neofascismo em
ascensão.
Aos
que sentem medo mas não se deixam aprisionar nas suas teias, deixo aqui ficar
uma novidade que provavelmente já sabem: qualquer dia morremos, com ou sem
medo, por isso o melhor é fazermos o que tem de ser feito e dizermos o que tem
de ser dito.
Até
para a semana
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