EDUARDO LUCIANO
Sem tema
Esta não é uma crónica sobre a
eutanásia, porque é irrelevante a minha opinião sobre o assunto e porque já
abordei o tema numa crónica anterior.
Mas
a propósito do tema gostava de abordar a questão das “consultas populares”
pedidas sempre por adeptos do não a uma qualquer iniciativa legislativa.
Foi
assim com a regionalização, foi assim com a interrupção voluntária da gravidez
e volta a ser assim com a questão da eutanásia.
Essa
rapaziada muito respeitadora da voz do povo em questões que normalmente não se
resolvem com um sim ou não, só se lembram desse instrumento quando a sua
opinião não coincide com a opinião da maioria parlamentar do momento, ou seja,
a representatividade só é válida se coincidir com a sua muito particular
opinião sobre o assunto.
A
propósito da exigência de um referendo vêm argumentos de que existe medo de
ouvir o povo, por parte dos que andam pelas redes sociais a elogiar um tempo em
que não havia eleições livres nem direito legal de organização política.
Muita
gente bem-intencionada e honesta embarca neste comboio que de alguma forma lhes
permite não ter opinião tendo apenas uma fuga: o povo que decida, não
percebendo o serviço que presta ao avanço dos fascismos de diversa índole.
Apesar
de não parecer o mesmo assunto, o facto de um jogador de um clube de futebol
ter abandonado o campo de jogo como protesto a insultos racistas vindos da
bancada enquadra-se na mesma escalada.
De
repente, estações de televisão que dão tempo de antena a representantes de
ideologias proibidas constitucionalmente, aparecem como se fossem anti-racistas
e dirigentes de clubes que alimentam claques onde se acoitam organizações
criminosas aparecem a repudiar o racismo e jornais que trazem para a primeira
página notícias de crimes onde a identificação dos alegados criminosos começa
pela cor da pele, origem étnica ou bairro de residência, lamentam o sucedido.
Toda
esta gente passa o tempo a acender a fogueira para agora gritar que há fogo e a
exigir uma resposta eficaz.
O
caldo é o mesmo e o perigo é real quando vemos gente que repudia a democracia
usar as suas ferramentas para acabar com ela. Quando exige que o “povo se
pronuncie” sobre aquilo que apenas diz respeito a cada um pretendendo impor uma
moral única. A sua.
Como
disse no início esta não é uma crónica sobre a eutanásia, coisa demasiado séria
para se opinar em quatro minutos porque muito mais do que isso levaria a
demonstrar a diferença entre os diversos sentidos de eutanásia, suicídio
assistido e morte assistida e um dos caminhos que levam à supremacia dos que
querem “ouvir o povo” e dos que acham que os insultos racistas são normais é a
simplificação da linguagem, o empobrecimento discursivo, a ignorância sobre
conceitos, a transformação de um qualquer debate em algo tão contrastante como
o sim e o não.
Não
sei se tenho alguma certeza na vida, mas julgo poder afirmar que se não os
pararmos agora vamos voltar aos tempos em que a liberdade era uma linha no
horizonte e parecia inalcançável.
Até
para a semana
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