EDUARDO LUCIANO
Vida plena sem casa?
O sítio onde dormir, comer,
descansar, construir um espaço de intimidade que o próprio reconheça como seu,
mais do que um direito constitucional é uma exigência da nossa condição de
humanos.
A
habitação não pode ser um bem que dependa do abrir mão da independência, da
privacidade, da vida autónoma. Do direito à opção de estar só ou acompanhado.
Mas
sendo mais que um direito legalmente garantido, a Constituição portuguesa diz
claramente a quem compete garantir esse direito através de políticas públicas
de os instrumentos de ordenamento do território, a construção de habitações
acessíveis, o estímulo à iniciativa privada e cooperativa e a implementação de
um sistema de renda compatível com o rendimento familiar.
A
competência primeira é atribuída ao Estado e temos que reconhecer que o seu
papel tem ficado aquém daquilo que a exigência constitucional obriga.
Só
na anterior legislatura, mais de quatro décadas após a entrada em vigor da
Constituição, foi possível fazer aprovar na Assembleia da República a primeira
Lei de Bases da Habitação, um instrumento de enorme importância para chegar aos
desígnios constitucionais.
Apesar
da timidez revelada em alguns aspectos importantes, trata-se de um instrumento
globalmente positivo onde se destacam a responsabilização do Estado na garantia
do direito à Habitação e da sua função social, a definição do Programa Nacional
de Habitação, a utilização de património habitacional público, o incentivo à
mobilização do património privado devoluto para programas de arrendamento nos
regimes de renda apoiada ou condicionada, a regulamentação e fiscalização do
arrendamento, a protecção e acompanhamento em situações de despejo, a
valorização das organizações de moradores, cooperativas e processos de
autoconstrução e auto-acabamento.
Sabendo
que se trata de uma boa lei, também temos de reconhecer que ninguém tem casa
porque a letra da lei inscreve esse direito.
É
necessário alterar todo o contexto político e prioridades económicas, investir
no parque habitacional público (um dos menores na Europa), conter a sua
degradação física, fechar a porta à especulação nas zonas urbanas mais
apetecíveis para tal e matar de vez a Lei dos Despejos aprovada em 2012 pela
maioria PSD/CDS.
Sem
investimento público não há Lei de Bases, por muito meritória que seja, que
resolva o problema da habitação.
Lembra-me
alguém que ganha o salário mínimo: façam lá isso tudo e mais alguma coisa e não
alterem a política de rendimentos e salários se querem ver a malta a viver em
casa dos pais até à reforma.
Até
para a semana
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