A Cripta de S. João de Deus
Cripta de S. João de Deus
Neste
lugar, segundo a tradição venerável pela antiguidade, se afirma ter nascido no
dia 8 de Março de 1495, em casa então situada na absorvida Rua Verde, o
glorioso santo alentejano. Fica debaixo da sacristia da igreja que
posteriormente se construiu.
Inicialmente,
dispunha-se apenas de pequenina cripta de comunicação exterior para a Rua
Verde, da qual subsiste a portada gótica granítica (talvez primitiva fresta),
de chanfraduras e capitéis mediévicos, fito-antropomórficos, muito alterada por
descasque intencional do chão, feito com intentos piedosos pelos enfermos em
busca de remédio santo, pois ainda no ano de 1857, os fiéis comiam terra
extraída debaixo do altar!
Projectada
em planta rectangular, a Cripta foi coberta por abóboda de berço em arco
abatido, com acesso através da sacristia; pórtico de cantaria de mármore com
arco em flecha e capitéis prismáticos; na parede fundeira mesa de altar de
barriga e sobre ela nicho enquadrado por pequena composição retabular
emoldurando o busto do santo.
A
sala maior se construiu em período impreciso do século XVII e esteve decorada,
profusamente, por registos de pintura da hagiografia do padroeiro, alguns dos
quais se podem ver expostos na sacristia. Sofreu obras importantes na grande
empreitada de ampliação conventual dirigida pelo prior fr. Manuel Jacinto de
Santo António em 1753, com reforço da abóbada, revestimento de costaneira,
novas portas, grades e pinturas interiores.
Na
parede setentrional, dependurado e
emoldurado com talha de lóbulos dourados, admira-se curioso painel a óleo sobre
tela, representando o nascimento de S. João de Deus, cópia presumível, com
variantes, da composição atribuída a Bento Coelho da Silveira, de 1695, do
sub-coro do templo, mas descaracterizado por sucessivos retoques de inábeis
restauradores populistas. A sua maior curiosidade reside na interpretação
iconográfica da torre sineira da Matriz do Castelo e do casario envolvente, em
pomposa arquitectura barroca. Mede: alt. 0,83 x 1,35 m. A cripta, era designada no tempo do mosteiro
pelos religiosos, de “Casinha do nosso Santo”.
Na
sala que antecede a entrada na cripta existem várias imagens de S. João de
Deus, pinturas do santo, e um túmulo de um dos muitos benfeitores que a ordem
viria a ter na região.
O
volumoso túmulo do benemérito reitor da Matriz, Martinho Almadanim, lavrado em
mármore branco de Estremoz, assente sobre três cabeças leoninas, inicialmente
colocado no prospecto norte e removido para o actual sítio no ano de 1950, tem
tampa emoldurada, lisa e alçado frontal disposto em dois rectângulos
esculpidos. No primeiro lê-se a inscrição da caracteres romanos:
S.ª DO REITOR MARTINHO
COELHO ALMADANIM
COM OBRIGAÇÃO DE MI
SSA COTODIANA
COM OBRIGAÇÃO DE MI
SSA COTODIANA
No
segundo, as três faixas das Almas, em escudo envolvido por paquife barroco. No
timbre: “Chefe”. Aos pés: “Almas” (1.ª metade do séc. XVII). Foi violado pelos
franceses de Loisan, em 28 de Julho de 1808.
A
cripta, totalmente descarnada em 1950, dos trabalhos de estuques coloridos,
intencionais e geometrizantes, feitos nos começos do oitocentos, tem as paredes
caiadas de branco e tecto abatido. O altar, discreta obra de mármores
regionais, brancos, negros e raiados de oiro, do estilo neoclássico do tempo de
D. Maria I, tem frontão circular, com volutas de enrolamento, colunelos da
ordem coríntia e emblemas da Missão Hospitaleira. Crucifixo de marfim, e cruz
de madeira exótica escura, do tipo tudesco e base de estilização marinha. Alt.
Total 60 cm. (c.ª de 1700).
No
altar se venerou até 1950, curioso busto-relicário do Santo feito de madeira
estofada da arte barroca seiscentista, que no ano de 1758 estava encerrado condignamente em nicho de vidraça.
Encontra-se, actualmente, no Hospital de S. João de Deus da Vila Notável, assim
como a tela pintada da morte de S. João de Deus, quadro de autor desconhecido e
de pouco mérito artístico, mas do maior interesse religioso.
A
grade de ferro forjado, exterior, da fresta da cripta, compõe-se de balaústres
anclados, cilíndricos, terminados em puas: foi feito pelo serralheiro José
Lopes, em 1757.
O
município montemorense tentou homenagear o seu filho mais ilustre. Em 1933, a
Comissão Administrativa da nossa Câmara Municipal presidida pelo Dr. Alfredo
Maria Praça Cunhal, solicitou aos Senhores Ministros das Obras Públicas e da
Instrução, a construção dum monumento a erigir na terra natal do santo
montemorense ao grande filantropo S. João de Deus. Inexplicavelmente, o pedido
não obteve a concordância do Governo.
A
Cripta de S. João de Deus assim como a Igreja Matriz, foram classificadas como
Imóvel de Interesse Público pelo Decreto n.º 37.801, de 2 de Maio de 1950.
Três décadas depois da tentativa falhada, e com o
objectivo de perpetuar a memória do seu filho mais ilustre, Montemor-o-Novo
engalanou-se para receber no dia 2 de Setembro de 1963, o Senhor Presidente da
República, Almirante Américo Tomás, que em visita oficial, inaugurou o
Monumento a S. João de Deus, levantado em frente à Igreja Matriz, próximo do
local onde nasceu.
O
Almirante Américo Tomás, fica ligado ao monumento dedicado ao grande João
Cidade, que a igreja canonizou sob a denominação de S. João de Deus, pela
oferta que fez, quando Ministro da Marinha, do bronze necessário à sua
construção.
O
monumento importou em 74.326$50 (setenta e quatro mil trezentos e vinte seis
escudos e cinquenta centavos), conforme a seguir se descrimina: fundição da
estátua – 25.000$00; transporte da mesma – 1.000$00; empreiteiro – 26.500$00;
arquitectos – 3.500$00; granito polido – 9.650$00; letras (fundição e
colocação) – 6.806$50; e vários – 1.870$00.
Durante
anos, o monumento manteve-se impecável, até que as letras cravadas no pedestral
foram desaparecendo, para espanto dos muitos peregrinos, que antes de visitarem
a cripta, contemplam o monumento de homenagem ao santo montemorense.
Em
Agosto de 2008, o município mandou retirar as poucas letras de bronze ainda
existentes, substituindo-as por gravação no granito.
Além
desta pequena iniciativa, o que fez o Poder Local Democrático para dar a
conhecer a quem nos visita um resumo do historial do seu filho mais ilustre?
Nada!
Petição Pública
Dirigida
à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo decorre via net uma petição pública, cujo
teor a seguir refiro:
“Em
benefício do elevado número de peregrinos que vêm a Montemor-o-Novo visitar a
casa onde nasceu S. João de Deus, pede-se à Câmara Municipal a criação de um
Centro Interpretativo Histórico sobre a vida e obra do santo, no rés-do-chão
livre da actual biblioteca municipal em frente à casa”.
Concordo
em absoluto com esta ideia, tanto mais que já existem várias recolhas sobre o
historial de S. João de Deus realizadas pelo Engenheiro António Vacas de
Carvalho e pela jovem Filomena Caetano, que aguardam um local para serem
expostas.
Na
minha modesta opinião, já é tempo da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo dar a
conhecer a quem nos visita, o vasto historial do seu mais ilustre filho,
beatificado em 21 de Setembro de 1630, considerado “Patrono da Vila” em 2 de
Março de 1678, e canonizado em 16 de Outubro de 1690.
Espera-se
que a autarquia, além de ceder instalações devolutas do antigo Convento de S.
João de Deus para instalação do ambicionado museu, encomende à Morbase, a
reconstrução virtual da “Cripta”, do “Convento” e da “Igreja de S. João de
Deus” (actual Matriz), de modo que estes trabalhos sejam mostrados aos
visitantes quando da visita ao futuro Museu de S. João de Deus. Vamos a isso?
Augusto Mesquita
Dezembro/2019
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