Serra d'Ossa: serra bem
nossa, Alentejana, assim dizia a minha mãe, quando algum acontecimento digno de
relevo surgia naquelas paragens.
Depois de alguns dias de
hesitação, sem saber a localidade e o tema, onde iria descrever a minha próxima
história, veio-me á ideia posicioná-la na serra d'Ossa.
Tinha
acabado de enviar o conto de Natal/2019, para o Al tejo, onde citei a serra do
Soajo, no maciço Peneda/Gerês e o meu cérebro alertou-me para escrever algo
sobre a nossa serra.
No
Verão, tanto em Terena como no Alandroal, a serra era muito falada pelo fresco
que vinha daqueles lados. No Inverno, não era esquecida pelas trovadas, que por
vezes lá se levantavam.
Mas
não vos quero falar do tempo, mas sim de uma história, que há muito lá na serra
aconteceu, e que perdura na memória.
Constou-se,
há uns anos, que um humilde pastor se opunha ao padre que rezava a missa na
capela de nossa Senhora da Conceição da Fonte Santa, e onde, por vezes ao
domingo o pastor de ovelhas, não de almas, lá assistia.
O
pastor pretendia casar com uma moça invisual, a única rapariga que amara em
toda a sua vida e a quem dedicava um grande amor.
A
Pureza era uma das meninas mais bonitas da Aldeia da Serra, mas cedo, muito
cedo, um infortúnio, levou-a para o convento.
A
rapariga era uma dos três filhos de um militar morto numa emboscada em Angola.
A mãe, ainda nova, via-se e desejava-se para alimentar os
três filhos, apenas com a força do seu trabalho e a dedicação que sempre usava
com as pessoas, a quem prestava os seus serviços.
O
Monge- Mor
Era a pessoa mais simpática do convento. Irradiava confiança e alegria nas pessoas que eram suas interlocutoras.
Era a pessoa mais simpática do convento. Irradiava confiança e alegria nas pessoas que eram suas interlocutoras.
Aparecia muitos dias, quase sempre ao entardecer, no café
central, onde tomava o seu "cafézinho" e dialogava, sem exclusão, com
qualquer pessoa. Dir-se-ia que em cada aldeão tinha um amigo.
A sua popularidade crescia "a olhos vistos", e
tornara-se a pessoa mais falada e querida da aldeia. A todos dava uma palavra,
a todos aconselhava.
Um dia a mãe da Pureza tomou coragem e dirigiu-se ao Monge,
contando-lhe os pormenores da sua vida, das suas amarguras e das dificuldades
com que se debatia diariamente, para alimentar os filhos.
O Monge condoeu-se e com os olhos avermelhados, sinal de
contenção de dor e lágrimas, disse-lhe:
-
Minha senhora o seu
marido é uma das vítimas de guerra, que nem ele, nem nós provocámos, e, a
senhora e os seus filhos sofrem a consequência dessa crueldade. Acredite que
vou fazer todos os esforços para que a sua filha, a menina Pureza, seja aceite
no convento, disse comovido o Monge.
A senhora tentou agarrar a mão do Monge-Mor, para beijá-la
como agradecimento. De mansinho o Monge afastou a senhora dizendo:
- Não me agradeça, nem agora, nem depois, mesmo que a menina entre para o convento. Estou ao serviço de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, e, a senhora é Jesus personificado.
- Não me agradeça, nem agora, nem depois, mesmo que a menina entre para o convento. Estou ao serviço de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, e, a senhora é Jesus personificado.
A mãe da Pureza não pode conter a torrente de lágrimas de
confusa que ficou, e, as pessoas que assistiram a este ato ficara estupefactas.
A
decisão do Pastor
O pastor possuía uma matilha de cães. Via-se
"grego" para alimentá-los e um dia tomou coragem e foi pedir os
restos de comida ao convento, pedido que lhe foi concedido.
Todos os dias lá se deslocava, e, foi tomando conhecimento e
confiança, com a serviçal, que depositava os restos da comida, numa tina, onde
o pastor a ia levantar.
Alguns dias só se avistavam, e noutros, chegavam a falar. Começaram
a sentir uma mútua atração, que durou algum tempo, até que um dia, ela deixou
de depositar a comida na tina, sendo substituída por uma colega.
Passaram um, dois, três dias, e, o pastor não conseguindo
conter mais a incerteza que lhe crescia todos os dias dentro do peito,
perguntou á substituta da menina Pureza, se esta estava bem de saúde.
- Não,- foi a
resposta da colega.
-
Cegou de vez, e não há remédio que a cure,
- completou a colega, com modos que feriram a alma do pastor.
Este sentiu uma facada no peito e mal contendo as lágrimas,
foi-se embora.
Uma forte vontade de a ver apoderava-se dele, que ia crescendo
todos os dias, até que tomou coragem e pediu ao Monge-Mor se podia visitar a
menina Pureza. O Monge olhou para o pastor de alto abaixo, mirou-o e remirou-o,
e, deduziu que o pastor escondia outra pessoa por detrás da sua personagem de
pastor. Só no trajar é que era pastor, conclui, interiormente, o Monge. Com
efeito, o rapaz interrompeu os estudos, já adiantados, e, decidiu tomar conta
dos bens dos pais falecidos prematuramente. A pastorícia e uma pequena
agricultura eram as suas fontes de riqueza.
E, como ele sempre dizia, era mais do que suficiente.
Apesar de todos os dias voltar a ver a menina Pureza, e de
sentir uma crescente atração pela moça, não se atreveu a dizer-lhe mais uma
palavra, que não fora os bons-dias e o agradecimento. Só os olhares falavam por
eles. Ao afastar-se, olhava sempre para trás e acenava á menina, que lhe correspondia.
Agora, privado de a ver, sentia dentro dele algo que outrora não sentia, algo
que o fazia vibrar interiormente, e que ele não conseguia evitar. Este estado
de alma forçou-o a pedir ao Monge para visitar a menina Pureza. O Monge
concedeu expectante.
O jovem pastor deslocava-se apenas á aldeia, sempre vestido
de peles, apenas para comprar alguma mercearia, e, sempre com uma postura de
distanciamento das outras pessoas, não se dando a conhecer, o que levou as
"más-línguas" a más interpretações.
Um
pastor sem peles.
O pastor despiu o pelico e os safões para ir visitar a menina Pureza. Ao entrar no quarto, e, ao contrário do que inicialmente pensou, alegrou-se. Sentiu soltar-se dentro dele um sentimento de aproximação, um enorme bem-querer, que lhe dava uma tranquilidade de espirito, nunca outrora por ele sentida.
O pastor despiu o pelico e os safões para ir visitar a menina Pureza. Ao entrar no quarto, e, ao contrário do que inicialmente pensou, alegrou-se. Sentiu soltar-se dentro dele um sentimento de aproximação, um enorme bem-querer, que lhe dava uma tranquilidade de espirito, nunca outrora por ele sentida.
Deteve-se uns momentos á entrada da porta, e viu a Pureza
mais bonita. Nem lhe pareceu que estava invisual.
-
És tu Ildefonso, -
perguntou a moça.
-
Sou, mas como soubeste o meu nome? -
Interrogou o jovem pastor.
-
Ontem uma amiga minha veio visitar-me. Estudou contigo em Estremoz, e disse-me
que após a morte dos teus pais, decidiste vir para a serra tomar conta das tuas
terras. Senti logo que eras tu - não me enganei, pois não? - A rapariga, abrindo um sorriso, pôs nesta frase um
sentimento tão bonito, que ainda fez vibrar mais o coração do rapaz.
-
Com certeza que não, - disse
o rapaz, também, sorrindo. Mas que te
sucedeu Pureza? - Perguntou o moço aproximando-se da rapariga.
-
Uma forte dor tirou-me a visão, mas acredito que um dia, a mesma dor me a
traga. - Respondeu a rapariga
parecendo conformada com o seu infortúnio, que aproximando-se mais do jovem,
apercebe-se que não traz o pelico e os safões.
-
Estás mais janota assim, pareces o estudante de Estremoz, -Disse voltando a sorrir com mais ternura.
O jovem Ildefonso, perdendo todo o receio que há muito o
inibia perante a rapariga, pega-lhe mas mãos e dá-lhe um beijinho.
Esta parecia esperar este momento, e, não se fazendo rogada
e retribui. Os dois jovens pareciam estar numa encruzilhada, donde não podiam
sair como entraram, mas que os fazia sentir felizes, e, para sempre apaixonados.
A Pureza rompeu o silêncio e disse: - Logo agora que estou neste estado, - baixou a cabeça e pareceu
entristecer.
-
Quando se ama nada importa, e, tu sabes, que já há muito tempo te amo. Não
conseguia dizer-to, e hoje perdi tudo esse embaraço. Vejo que sou bem-sucedido,
não é verdade Pureza?- O
rapaz pronunciou estas palavras com tanta doçura, que a moça, levantando a
cabeça, voltou a sorrir com um encanto apaixonado. E, o moço continuou.
-
Aliás tu tens esperança de voltar a ver, eu também tenho essa fé. O Ildefonso pronunciou esta frase com uma convicção
inabalável, que alegrou a esperançada Pureza.
O
Monge-Mor interrompeu este bonito quadro amoroso, e, notando a maneira como
agora estava vestido o pastor, não se conteve e disse:
-
Bem me pareceu á bocado…, o pelico e os safões não fazem o pastor.
Os três sorriram e o jovem Ildefonso aproveitou para
perguntar, quando podia visitar, novamente, a Pureza. - Todos os Domingos na parte da tarde, - Respondeu o Monge, com um
sorriso denunciador de quem começa a ver algo mais, do que uma simples visita.
O Monge-Mor apesar de ter feito jovial, não deixava nada por
mãos alheias, sobretudo quando se interessava por alguém, como foi o caso da
menina Pureza, que a pedido da mãe, entrou para o convento pela mão do Monge,
que esperava, o dia em que ela se revelasse perante Deus. Começou a tardar-lhe essa
possível revelação, e, com o inesperado acontecimento da perda da visão, e, a
consequente aproximação do jovem Ildefonso, a expectativa do Monge-Mor começou
a esfumar-se.
A
ida à igreja de nossa Senhora da Conceição da Fonte Santa.
Ao cérebro do Ildefonso acudiam os mais diversos
pensamentos. Ir ao convento e trazer a Pureza para sua companhia, mas isto era
um desaforo, que jamais lhe perdoariam, aliás era preciso que a Pureza o
consentisse, o que lhe parecia impossível. Pensou, repensou, e, resolveu ir
falar com o padre à igreja da Fonte Santa.
Pensava o jovem que indo lá o padre autorizava o casamento
Pensava o jovem que indo lá o padre autorizava o casamento
Nas condições em que a Pureza se encontrava, era difícil
qualquer percurso, ainda que pequeno.
-
Não, - Respondeu o padre. Não o
caso sem uma mínima preparação. Dando às suas palavras um tom de dureza, que o
pastor se sentiu, não só melindrado, mas também maltratado, levando-o a esta
interrogação. - Será que o crente terá que se sujeitar ás ordens da Igreja, ou
será a Igreja a sujeitar-se ás necessidades dos seus fiéis? - Aqui e na
situação em que a menina Pureza se encontrava, o padre deveria excecionar,
ainda que o casamento levasse mais tempo.
Ildefonso não queria sujeitar a rapariga, devido ao seu
estado físico, a mais do que um dia de esforço, e, pensou:
- Toda a gente sabe de cor as perguntas que um padre faz,
nos atos do casamento. E, se nós fizermos as perguntas um ao outro na frente da
Santa? E se colocarmos as alianças nos dedos um do outro? Não ficaríamos
casados? Faltaria, apenas, o registo de casamento, mas um dia, mesmo depois
daquele rebelde ato, teriam tempo para isso.
Pensou e refletiu muito na maneira de explicar esta sua
ousadia á jovem Pureza, que já considerava, não só sua namorada, como, também,
sua noiva. E, acreditava, piamente, que esta concordaria, com a sua ideia.
Falar com ela só nas tardes de domingo, e, com o Monge
sempre por perto, era pouco tempo para explicar os pormenores da sua intenção á
rapariga, á Pureza.
O
meio de persuasão do jovem Ildefonso
O jovem, enquanto estudante, tinha sido um dos alunos mais
influentes do Colégio. O seu poder de persuasão levava-o a vencer, verbalmente,
qualquer contenda, onde se visse enleado.
Agora surge-lhe a necessidade de falar mais tempo com a
Pureza, mas para isso, teria que violar as regras do convento, e, isso era
correr um grande risco que poderia ser fatal, e não mais poder falar com a
rapariga.
Resolveu persuadir a nova serviçal, redobrando as bilhas de
leite, que oferecia todas as quintas feiras ao convento. Esta prontificou-se a
levar os bilhetes escritos pelo Ildefonso á namorada, tendo o Monge ficado de
sobreaviso com o aumento do volume do leite.
A Pureza era crente, muito embora a sua prática, se
limitasse, pouco mais do que nos dias de festa. Não quis responder logo ao
Ildefonso, e, adiou, para o próximo domingo, a sua resposta.
O jovem pastor ficou muito agradado com a resposta da
rapariga, sinal que estava disposta a viver os restos dos seus dias com ele.
Aguardou, serenamente, o dia de domingo, com tempo mais do que suficiente, para
selecionar os assuntos que mais interessaria a uma vida em comum, uma vida a
dois, que ele já contava como certa.
O
domingo seguinte.
Ao tocar as esquilas do portão do convento, esperou tempo que
ele, impaciente, julgou demais. Mas logo se tranquilizou ao ver a Pureza, acompanhada
com a nova serviçal. Mesmo na frente desta não puderam evitar um beijinho como
cumprimento.
No percurso para a sala onde iriam namorar apareceu o Monge-Mor, que agradeceu o aumento do leite, e cumprimentou o jovem Ildefonso, com um contentamento agradável.
No percurso para a sala onde iriam namorar apareceu o Monge-Mor, que agradeceu o aumento do leite, e cumprimentou o jovem Ildefonso, com um contentamento agradável.
Deixou-os falar mais tempo, com confiança total no
Ildefonso., que teve tempo de expor a sua ideia á jovem Pureza.
-
Não amor, não posso fazer isso. Seria uma traição as estas paredes, às pessoas
que me mataram a fome e me deram todo o conforto que um ser humano necessita. -
a rapariga continuou - O Monge-Mor tem sido como um segundo pai,
para mim. Aguardaremos tranquilos o tempo necessário para termos um casamento
igual aos demais Pedimos ao Monge que fale com o padre, e, certamente, ele dirá
que sim. - A rapariga fez uma pausa, e, continuou,- Só te peço uma coisa, Ildefonso, que vás pedir a minha mão, á minha
mãe e aos meus dois irmãos, pois a eles ainda pertenço e pertencerei, até que
no altar, perante Deus, te dê o meu sim.
O jovem pastor ficou surpreendido, e, muito sensibilizado
com as palavras da noiva, que mostram um elevado sentimento familiar, uma forte
ligação á mãe e aos irmãos, e, não se contendo dá-lhe um beijo na testa,
dizendo:
-
Obrigado Pureza, obrigado amor.
Leia Amanhã o final da história
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