terça-feira, 14 de janeiro de 2020

AS HISTÓRIAS DO HELDER (CONTINUAÇÃO - FINAL)

                                                          O crime do Monge-Mor - FINAL
                                                                          Os boatos
O Ildefonso ia sempre vestido com as vestes de pastor, quando por qualquer motivo de deslocava á aldeia. Naquele dia necessitou de ir "aviar a casa", e, na mercearia aguardou a sua vez. Nesse tempo de espera, ouviu uns boatos referente ao Monge-Mor, á mãe da Pureza e da filha. O boateiro ignorou o pastor, cuja fama de homem rude e inculto já adquirira, e, dando largas á mentira, disse, referindo-se ao Monge: - Primeiro levou a filha, agora está a tentar levar a mãe -.
Com efeito, o Monge falara com a mãe da Pureza, para livrar a sua responsabilidade na questão do namoro, e, esta não mais pode fazer, que legar essa responsabilidade no Monge, depois deste a tranquilizar com as boas qualidades e origens do jovem Ildefonso.
                             O Monge-Mor vai á igreja de Nossa Senhora da Conceição Fonte Santa.
A pedido dos noivos o Monge vai a caminho da Ermida da Fonte Santa falar com o padre.
Desce o Lucefecit, cujas águias cristalinas corriam a caminho do Guadiana, num sussurrar melodioso, que se associava ao canto das rolas e perdizes chamando as suas crias. O ar inundava-se de aromas, gentilmente, cedidos pelas flores das estevas e dos rosmaninhos. O Monge-Mor, no seu enlevo cerebral, julgou-se, por momentos, fazer parte daquele quadro natural. Ele cantava, assobiava, gesticulava num enlevo total.
Chegado á Igreja tem a esperá-lo o padre, que lhe confidencia os boatos, que lhe chegaram aos ouvidos, muito em segredo, pelos seus crentes.
- Irmão, toda a aldeia da serra sabe, que falei com a mãe da Pureza, algumas vezes, tinha que falar, pela responsabilidade que tomei perante ela, acerca da filha, que me é muito querida, e, que agora apadrinho o namoro e o seu próximo casamento. Será crime fazer o bem e gostar de uma pessoa?
O padre ficou chocado com as palavras sentidas do Monge.
- Não irmão, não é. E se eu puder ajudar essa moça no seu casamento, conte comigo. Além do infortúnio da perda de visão, ainda tem que suportar os boatos dos mal-intencionados. Vamos tentar que essa difamação, não chegue aos ouvidos da menina, nem da mãe. Disse o padre tentando conformar o Monge-Mor.
                                                                        O desejado Domingo.
No próximo domingo em que os noivos se avistaram, foi-lhes dada a notícia pelo Monge, que o padre os casaria no menor tempo possível. Este recusou os agradecimentos dos noivos, o seu semblante denunciava uma estranha tristeza, que começou a inquietar os jovens. Ildefonso sabia a causa dessa tristeza, mas não o dava a conhecer, porque muito honestamente não acreditava, e, convidou o Monge-Mor, para padrinho em parceria com a estudante de Estremoz. O Monge recusou, muito embora lhe agradasse ir ao casamento nesse lugar.
A Pureza fazia questão de levar a família como padrinhos, a mãe e os irmãos.
                                                             O Jovem Ildefonso pede a mão da Pureza.
Cada dia que passava o Jovem Ildefonso, menos crédito dava aos boatos que ouvira na mercearia. Tinha agora, ao falar com a mãe da noiva, a oportunidade de os confirmar ou desmentir.
A casa da mãe da Pureza era composta de dois compartimentos, modestamente, mobilados.
A senhora mandou entrar o jovem com extrema cortesia, e este apresentou-se.- Sou o pastor do Monte da Boa Vontade, o senhor Monge-Mor, certamente, já vos falou de mim. - A senhora atalhou, - Mas os donos do Monte já morreram, - Disse a senhora surpreendida. - Sim, mas fui o herdeiro e agora sou dono. - Disse o rapaz sorrindo para desfazer a incerteza do cérebro da senhora, e continuou. - Venho pedir a mão da sua filha, da Pureza. Tencionamos casar muito em breve. A senhora entristeceu e disse baixinho. - Não tenho posses, o que ganho vai dando para a despesas do dia-a-dia e pouco mais. Tenho algum ouro que irei empenhar, embora os juros estejam altos, é a única maneira de poder casar a minha filha, e, tenho muito prazer que ela case convosco
- Não. - Quase gritou o Ildefonso. - Tudo decorrerá no Monte da Boa Vontade. De vós só quero que auxilie a Pureza a adaptar-se á nova vida, á vida de lavradora. E, mais vos digo, que num futuro próximo, os seus dois filhos irão trabalhar para a herdade. 
A senhora com lágrimas nos olhos não sabia o que fazer, limitou a dizer: - Sejo o que o Ildefonso quiser.
O rapaz partiu, duplamente contente e ciente que tudo o que ouvira na mercearia era falsidade, e, comovido pela frontalidade da senhora, que se disponha a sacrificar o seu ouro para poder casar a filha.
                                                                          O desgosto do Monge-Mor.
Um estranho abatimento se apoderou do Monge. Quase deixa de comer e evita falar com as pessoas, sobretudo com a menina Pureza. Recolheu-se na cela, e, em meditação, pediu auxílio a Jesus Cristo. Era um amor diferente do que Cristo teve por Maria Madalena, mas nunca deixara de ser amor. O Monge sentiu sempre um amor meio paterno pela menina que criou e educou, e que agora, apoiara, sem reservas, não só o namoro, como o casamento. Após demorado silêncio num gesto feroz, gritou: NÃO. O seu semblante alegrou-se. Beijou Jesus, e, decidiu ir ao casamento, ser padrinho.
                                                                                        O milagre.
Na igreja de nossa Senhora da Conceição da Fonte Santa, começara a cerimónia do casamento. No altar o Ildefonso esperava a noiva, acompanhado pela madrinha, a estudante de Estremoz. A Pureza estava encantadora.
O vestido cor-de-rosa, muito leve, evidenciava-lhe a silhueta e o vulto dos seus seios. O cabelo caía encaracolado nos seus ombros, meios descobertos. Caminhava acompanhada pela mãe e dos seus dois irmãos, de passada firma para o altar, sem nenhuma hesitação. Dir-se-ia que via, ou que estava já estava habituada a andar naquele piso.
De repente, como vindo de uma aparição celestial,  surge o Monge-Mor. Sem perda de tempo quatro vultos saem, precipitados, da igreja, sendo observados pelo jovem noivo, o Ildefonso. O Monge todo vestido de branco, de barba grisalha e sorridente, disse: - Vim para ser o padrinho do Ildefonso.
A Pureza tenta apressar o passo, mas tropeça e cai de joelhos. Sente uma dor diferente de todas as outras que até então tinha sentido. A dor do sentimento de contentamento fá-la levar as mãos ao rosto e quando o descobre, dá um grito - Vejo, voltei a ver. Olha o meu Ildefonso, a minha família, o meu protetor, o Monge-Mor.- A rapariga não cabia em si de contente. O mundo estava, novamente, com ela. Ao ver o noivo, que só vira de pelico e safões, disse, suavemente, - O meu pastor sem as peles é muito, muito mais bonito e elegante - O Ildefonso abraça e beija a noiva. Segredando-lhe, - Mas amor, sou sempre o mesmo a gostar muito de ti.
As lágrimas banhavam o rosto de todos os presentes, e, os soluços, naquele momento, abafavam o sussurrar das águas do Lucefecit.
O padre tentava reivindicar o milagre para nossa Senhora da Conceição, o que era discordado pelo Monge-Mor, muito mais perto da família da Pureza, afirmando que fora Jesus Cristo que o acompanhara desde a cela, até à igreja e fizera o milagre.
A herdade da Boa Vontade, com os irmãos da Pureza, tornou-se a herdade mais produtiva do Concelho do Alandroal.
Percorremos a serra d'Ossa, a nossa serra, de lés a lés, e tivemos a sorte de encontrar, um velho pastor de cabelos lisos e compridos, com a barba grande, de olhos e boca encovados, com voz roufenha e muito morosa, que nos confirmou, tim- tim, por tim- tim, com todos os pormenores, a existência da herdade da Boa Vontade e do pastor Ildefonso. 
Nós autores, ficámos muito felizes com o desenrolar deste acontecimento, sobretudo com a recuperação da visão da menina Pureza e da felicidade do jovem Ildefonso, e, perdoo-nos Nossa Senhora da Conceição da Fonte Santa, também, acreditamos, como o Monge, pelo sentimento amoroso deste conto, que fora milagre de Jesus Cristo.
O crime cometido pelo Monge-Mor foi fazer o bem e inundar de felicidade toda aquela família, e, o seu julgamento foram as lágrimas de alegria da recuperação da visão da menina Pureza.
Hélder Salgado
Terena. 02-01-2020.

2 comentários:

Rip Khirppi disse...

Gostei!
JR

Anónimo disse...



Não desgostei embora no papel de leitor habitual pudesse dar-se o caso de

ter gostado mais. De facto, estes milagres cristianos, jamais aconteceriam

se não tivessem a oportunidade e a sua vez extensiva de serem vistos e

aqui contados.

Os meus Cumprimentos

ANB