CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
Nos bastidores
de uma Capital da Cultura
Está a fazer um ano que a CME
oficializou a candidatura a Capital Europeia da Cultura 2027. As reacções,
quando há quase três anos se começou a falar nisso, foram várias, do “já
ganhámos” ao “deixa-me rir”, passando pelo “olha que boa ideia, deixa lá apoiar
não vá parecer que não sou pró Évora”. Faço esta crónica agora, porque não
quero esperar por uma eventual derrota para bater no que já está morto, prática
useira e vezeira na mesquinhez de muito cidadão.
A
entrega das candidaturas é em 2021 e a decisão final será conhecida em 2022,
pelo que este ano será o último completo em que cada Cidade dará tudo por tudo
para mostrar o melhor de si, no que à Cultura diz respeito. Os critérios a
avaliar são “a contribuição para a estratégia a longo prazo, a dimensão
europeia do projecto, o conteúdo cultural e artístico, a capacidade de realização,
o impacto e a gestão”, pelo que tenho lido na CS. Na avaliação do impacto que
esta iniciativa tem na vida cultural dos seus habitantes deverá, pois, ser tão
ou mais importante que o impacto económico de uma Cidade que acolherá muitos
eventos e visitantes, o que mexe com os negócios: gente a dormir, a comer, a
comprar. Não há como não desejar isso tudo para um lugar que queira mesmo… tudo
isso. Será que os Eborenses querem? Devem querer, pois em todas as candidaturas
às últimas eleições autárquicas o assunto foi abordado.
O
que me leva, então, a duvidar da vitória desta candidatura é, de facto, ela – e
sobretudo todo o executivo municipal eborense e orgulhosamente alentejano que
tem, a vários níveis, uma visão monopolista do capital cultural português – não
contar com a realidade. Está, a parte maioritária do Executivo, antes a usá-la
como oportunidade para investir numa área evitando ser acusado de estar a “dar
circo quando era preciso pão”.
O meu pessimismo relativamente a
esta candidatura, para além da escala de que já falei noutra crónica lá muito
para trás, prende-se com a pouca adesão dos cidadãos de Évora a
iniciativas culturais, o que deixa pelo menos três critérios em risco. Os caros
ouvintes avaliarão quais são, se pensarem um pouco sobre o que é a vida
cultural em Évora.
Não
falo da monumentalidade do Centro Histórico ou no pitoresco das ruas e
recantos, nem na lindíssima paisagem alentejana, na magnífica gastronomia,
doçaria e vinho, que são mesmo do melhor que há no Mundo. Não falo do
espectáculo na Praça onde, obviamente, se confunde o espectador interessado com
o cidadão que vai dar uma volta até à cidade. Não falo do cinema de centro
comercial, mas de público que, havendo um cineclube, insistia em que em Évora
não havia cinema. Não falo sequer das comemorações do 25 de Abril com o seu
fogo-de-artifício que, felizmente, parecem aguentar, em tempo e modo, o
advérbio “sempre”. Falo de um teatro municipal que não consegue ter um programa
razoável de espectáculos que circulam pelo resto do país, por razões que já
soube serem em tempos politico-partidárias e que, francamente, ao fim de seis
anos, só entendo como uma incapacidade de atrair propostas. Falo na existência
de apenas uma livraria que seja mesmo só uma livraria. Falo em eventos que têm
pouco público, umas vezes porque sim, mas outras vezes porque só se divulga
entre poucos e não faz falta quem prefere estar noutro evento ali ao lado, à
mesma hora. Porque estamos habituados a estar sossegados em casa e se é para
sair é para ir, já agora, ali a Lisboa ao festival X ou ao espectáculo Y.
Podemos mesmo ter uma agenda diversificada, que não deixaremos de ouvir que
“não se passa nada em Évora”. Uma dúzia de anos, com uma meia-dúzia de cabecilhas
a enfiar este refrão na cabeça dos Eborenses fez mossa. Já passaram meia-dúzia
de anos e a coisa não está fácil de reverter a favor do que é preciso para ter
uma certa cultura numa cidade que a possa tornar Cultural, assim com maiúscula:
conhecer e valorizar o seu capital humano acrescentando-o com o património dos
que cá se instalam, por cá passam, recebendo todos sem rótulos sobranceiros de
“denominação de origem controlada” ou cómico-insultuosos de “não ser de cá”.
Era tão bom que Évora ganhasse e a Europa toda em peso viesse cá meter o
bedelho em 2027! Isso é que eu gostava mesmo.
Até
para a semana.
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