MARIA HELENA FIGUEIREDO
Orçamento de Estado: a
procissão vai no adro
Esta
é a minha 1ª crónica de 2020 e não podia deixar de ser sobre a decisão do Bloco
de Esquerda de não dar o seu voto favorável ao Orçamento de Estado e
condicionar a abstenção ao resultado das negociações com o Governo.
Nos últimos 4 anos, apesar de o
Partido Socialista ser minoritário no Parlamento, habituamo-nos a ver os
orçamentos serem aprovados com os votos favoráveis do Bloco de Esquerda, do PCP
e dos Verdes.
Esse apoio resultou, no caso do
Bloco de Esquerda, do acordo formal celebrado no inicio da legislatura que
tinha por primeiro objectivo a recuperação dos salários e das pensões que
tinham sido cortados durante o período da Troika, por um lado, e, por outro, da
negociação de propostas concretas que visaram sempre a melhoraria dos
rendimentos e das condições de vida dos trabalhadores, através de medidas que
permitiram o aumento dos salários mais baixos e aumento extraordinário das
pensões, o fim da sobretaxa e o alargamento dos escalões do IRS, o
reconhecimento do direito à reforma sem a dupla penalização do factor de
sustentabilidade para as longas carreiras contributivas e dos trabalhadores da
pedreiras e lavarias.
Foi essa negociação que permitiu
melhorar a vida de muita gente, e com o aumento dos rendimentos dos
trabalhadores induzir o aumento da procura interna e dar um novo alento à
economia.
Este era o caminho traçado e que
o Partido Socialista foi dizendo, antes das eleições e também depois, que
queria prosseguir, reafirmando que queria continuar a negociar e encontrar
soluções com os partidos à sua esquerda.
Mas apesar de o Partido
Socialista continuar a não ter no Parlamento a maioria absoluta, não fez
reflectir essas palavras no Orçamento que apresentou nem, até agora, demonstrou
uma vontade real de negociar, não acolhendo nenhuma das propostas feitas pelo
Bloco de Esquerda.
Bem vistas as coisas, a proposta
de orçamento para 2020 em vez de prosseguir no caminho da recuperação e
melhoria das condições de vida dos trabalhadores, na aposta nos serviços e no
investimento público põe um travão nas expectativas criadas e nalguns casos faz
mesmo marcha atrás.
Por exemplo, no que toca às
pensões e salários da função pública e à actualização de IRS, o orçamento
propõe um aumento de 0,3%. Ora, sendo a inflação esperada de 1%, o que o
orçamento traduz é uma redução efectiva do poder de compra dos pensionistas e
dos trabalhadores.
Inverte-se também o caminho que
se estava a fazer em matéria de reformas. A idade da reforma aumenta para os 66
anos e 6 meses e o corte do factor de sustentabilidade, para quem pretenda a
reforma antecipada, sobe para 15%.
Em contrapartida, o Orçamento
prevê a transferência de mais 1.200 milhões de euros para o fundo de resolução,
o sorvedouro do negócio do Novo Banco que o PS, quando o Bloco lho propôs,
recusou integrar na esfera pública.
E prevê ainda um excedente
orçamental de 500 milhões de euros, quando há tanta falta de investimento
público neste país: Falta a concretização da Lei de Bases da Habitação e a
criação de um parque de habitação de renda acessível; falta concretizar os
compromissos assumidos para com os cuidadores informais, e que foram
consagrados na lei; falta continuar a baixar o valor máximo das propinas do
ensino superior; falta contratar de pessoal não docente para as escolas; faltam
creches integradas no sistema público de ensino; falta investimento em
transporte público, especialmente na ferrovia; falta investimento nos serviços
públicos, incluindo na saúde, apesar dos 800 milhões que vai ter de reforço;
falta reconhecer o direito dos trabalhadores das carreiras especiais, falta
reconhecer o direito à reforma antecipada para as profissões de maior desgaste
e para pessoas com deficiência..
Falta dotar a Cultura com verbas
adequadas, o sector reclama 1%, e não com os 0,28% da despesa do orçamento.
A decisão de viabilizar um
orçamento não resulta de estados de alma, mas de uma avaliação sobre as opções
políticas que o orçamento revela e que vão marcar a governação do país durante
o ano.
É, deve ser, um processo de
negociação que só termina no dia de votação.
O Bloco de Esquerda afirmou que
quer continuar a negociar. Mas como se costuma dizer, é preciso dois para dançar
o tango.
Até para a semana e Bom Ano
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