CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
Uma vez são vezes
a mais
“Uma vez são vezes a mais” é o
slogan que corre por aí, e que desconstrói a expressão idiomática bem
conhecida, para convencer os cidadãos a reciclar o lixo. É um bom slogan para
nos alertar sobre os riscos dos precedentes. E a situação ficou clara no recente
embrulho em que o incumprimento das regras na AR colocou quem, só uma vez, as
quebrou. Falo naturalmente da possibilidade de deputados únicos que, por
definição, não constituem um grupo parlamentar, terem intervenção em debates
quinzenais.
Convém
lembrar que estes debates foram uma criação do socialista António José Seguro,
em 2007 (em plena maioria absoluta do PS, portanto) que desagradou a muitos ,
nomeadamente a António Costa. Afirmava então que os debates quinzenais no
Parlamento condicionavam, e cito, “a possibilidade da eficácia da
consensualização política”. Já o seu ideólogo, Seguro, argumentava que os
debates quinzenais permitiriam uma “maior centralidade do Parlamento no debate
político”.
Chegados
a 2015, não só a AR se tornou o epicentro de uma nova perspectiva de lidar com
a constituição democrática de Governos, como se deu a quase novidade (tínhamos
tido já e pelo menos a UDP e Mário Tomé) de haver um DURP, isto é um deputado
único representante do partido. Por ser um Partido que, como os chinelos de
borrego alentejanos, não tinha pés esquerdo ou direito pré-definidos, todos os
outros foram “fofinhos” e acharam que “uma vez não são vezes” e deixaram André
ser o PAN.
Agora,
em 2019, e mantendo a linguagem figurativa na mesma zona que permite que se
tenham os pés bem assentes na terra, parece que ficaram com uma bota difícil de
descalçar. É que se a divisão de um tempo razoável para que dure um debate
ordinário entre a AR e o Governo é feito por ponderação de número de deputados
por grupos parlamentares, estas excepções tornam estes deputados, os
“minuto-e-meio”, nuns privilegiados, afinal.
Se
se dividir o que é o tempo de cada grupo pelo número de deputados que o compõe
(a representatividade é isto também), nenhum deles tem os 90 segundos que os
três DURPs têm. São assim, os precedentes que, como o próprio nome indica, não
são só uma vez. Como vemos, e aqui chegados, mais do que manter os holofotes
todos sobre o Governo, estes debates vão permitir que os parlamentares dividam
as atenções de quem se dá ao trabalho de assistir ao funcionamento das
instituições que nos dirigem o destino público. Pena que sejamos tão poucos e
que mesmo alguns de nós os vejam como um circo a pegar fogo, ou como quem
assiste a corridas de automóveis para ver acidentes. Quando se assiste a
sessões também ordinárias das diferentes Comissões, o calibre dos parlamentares
– e já agora dos membros do Governo – é ainda mais legível e escrutinável. Mas
quer-me parecer que a ARTv tenha “shares” miseráveis.
Até
para a semana.
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