EDUARDO LUCIANO
Gente que parte
Todos sabemos que há um dia que nos
vamos para parte nenhuma. Todos sabemos que um dia vamos ver partir os que
julgamos eternos, os que sempre cá estiveram quando precisamos de os ouvir, de
os ler, de os ver.
São
aqueles que associamos aos momentos decisivos da nossa vida, aqueles momentos
que determinam o passo seguinte, a escolha que nos leva até ao melhor de nós e
que faz com que tudo pareça fazer sentido.
Apesar
de sabermos que esse dia vai chegar, só quando chega percebemos que todos somos
finitos e que até os eternos irão desaparecer. Simplesmente desaparecer.
Esta
semana morreu José Mário Branco. Não é necessário dizer mais nada, ninguém
precisa de nota biográfica para o identificar e mesmo aqueles que acham que não
sabem nada sobre ele, sabem qualquer coisa sobre a obra ou o mito.
A
obra de pessoas como o José Mário Branco é o garante da ideia de continuidade
da espécie, mesmo sabendo que um dia, daqui uns milhares de milhões de anos,
não exista espécie nenhuma neste planeta condenado à desintegração.
Não
Luís Vaz, a obra não liberta ninguém da morte. A obra apenas mantém vivo o nome
do autor, condenando-o à terrível pena eterna da comiseração representada pelo
aplauso do consenso.
Neste
tempo em que vemos na Assembleia da República um qualquer energúmeno agitar uns
papéis no ar enquanto clama: vergonha, vergonha, em que um idiota afirma numa
conferência de imprensa que os peixes são muito espertos e fogem das manchas de
óleo para evitar a contaminação, em que hordas de crentes afirmam que a Terra é
plana, as palavras e a música de José Mário Branco continuarão a ser armas
apontadas à ignorância e continuarão a ser empunhadas por aqueles que, sem medo
da inevitável morte, insistem que outro mundo é possível.
É
por saber o poder das armas fabricadas por homens como José Mário Branco, que o
poder remete a Cultura para as margens do acessório como se fosse uma reserva
visitável para uns quantos iniciados de ar vagamente exótico, enquanto
massifica o entretenimento.
Gosto
de muitas canções do José Mário Branco, pela sua actualidade e por serem
memória de momentos passados da mesma luta de sempre, mas neste tempo que
vivemos, talvez seja o “fado da tristeza” aquela que devamos usar como hino,
como bandeira da nossa humanidade contra as botas cardadas dos diversos
fascismos que nos espreitam.
“Canta
da cabeça aos pés
Canta
com aquilo que és
Só
podes dar o que é teu”
Até
para a semana
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