sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA ONTEM NA DIANA/FM


EDUARDO LUCIANO
                                                 Gente que parte
Todos sabemos que há um dia que nos vamos para parte nenhuma. Todos sabemos que um dia vamos ver partir os que julgamos eternos, os que sempre cá estiveram quando precisamos de os ouvir, de os ler, de os ver.
São aqueles que associamos aos momentos decisivos da nossa vida, aqueles momentos que determinam o passo seguinte, a escolha que nos leva até ao melhor de nós e que faz com que tudo pareça fazer sentido.
Apesar de sabermos que esse dia vai chegar, só quando chega percebemos que todos somos finitos e que até os eternos irão desaparecer. Simplesmente desaparecer.
Esta semana morreu José Mário Branco. Não é necessário dizer mais nada, ninguém precisa de nota biográfica para o identificar e mesmo aqueles que acham que não sabem nada sobre ele, sabem qualquer coisa sobre a obra ou o mito.
A obra de pessoas como o José Mário Branco é o garante da ideia de continuidade da espécie, mesmo sabendo que um dia, daqui uns milhares de milhões de anos, não exista espécie nenhuma neste planeta condenado à desintegração.
Não Luís Vaz, a obra não liberta ninguém da morte. A obra apenas mantém vivo o nome do autor, condenando-o à terrível pena eterna da comiseração representada pelo aplauso do consenso.
Neste tempo em que vemos na Assembleia da República um qualquer energúmeno agitar uns papéis no ar enquanto clama: vergonha, vergonha, em que um idiota afirma numa conferência de imprensa que os peixes são muito espertos e fogem das manchas de óleo para evitar a contaminação, em que hordas de crentes afirmam que a Terra é plana, as palavras e a música de José Mário Branco continuarão a ser armas apontadas à ignorância e continuarão a ser empunhadas por aqueles que, sem medo da inevitável morte, insistem que outro mundo é possível.
É por saber o poder das armas fabricadas por homens como José Mário Branco, que o poder remete a Cultura para as margens do acessório como se fosse uma reserva visitável para uns quantos iniciados de ar vagamente exótico, enquanto massifica o entretenimento.
Gosto de muitas canções do José Mário Branco, pela sua actualidade e por serem memória de momentos passados da mesma luta de sempre, mas neste tempo que vivemos, talvez seja o “fado da tristeza” aquela que devamos usar como hino, como bandeira da nossa humanidade contra as botas cardadas dos diversos fascismos que nos espreitam.
“Canta da cabeça aos pés
Canta com aquilo que és
Só podes dar o que é teu”
Até para a semana


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