O diário de Notícias de
ontem, pela cronica de Carlos Nogueira intitulada de “Quando Salazar proibiu o
Benfica de Eusébio de ir à Rússia” , relatava-nos um
acontecimento passado no ano de 1965, quando no auge da sua carreira o Benfica foi
convidado pelo Spartak de Moscovo a ir à Russia disputar um amigável que seria
retribuído no ano seguinte com a recepção desta mesma equipa no Estádio da Luz.
Iria o Clube Lisboeta arrecadar uma verba
de 4 mil contos, importância considerável
para a época.
As coisas passara-se assim:
Em 4 de Setembro de 1965 o Diário de Notícias noticiava em primeira página:
"O Benfica vai à Rússia e o
Spartak (de Moscovo) vem a Lisboa." O impacto foi imediato e surpreendeu
inclusive o governo de Salazar, como se veria pelo corrupio dos dias seguintes.
Foi Albino André, diretor da agência Turexpresso que na altura organizava todas
as viagens dos encarnados ao estrangeiro, que desafiou, em agosto desse ano, o
chefe do departamento de futebol Gastão Silva para uma digressão à União
Soviética (URSS), que na altura tinha como líder máximo Leonid Brezhnev.
Na edição de 6 de setembro,
Gastão Silva confirmava ao DN a possibilidade de o Benfica de Eusébio, Coluna,
Simões, José Augusto e companhia ir a Moscovo. "O Sr. Albino André, nos
contactos que já teve com os dirigentes do clube Spartak, atuou como delegado
autorizado pelo Benfica. Nas primeiras diligências, limitou-se a receber o
convite que os russos fizeram para que a nossa equipa jogasse com a turma
moscovita. E prometeu transmitir esse convite à direção do Benfica, o que fez
agora", assumiu o dirigente, acrescentando que faltava apenas decidir a
data do jogo em Moscovo, que seria "a 6 ou 11 de novembro", enquanto
o Spartak viria a Lisboa "em maio ou outubro de 1966". "Tudo
isto, conforme se compreenderá, se for dada autorização superior",
advertiu o dirigente do Benfica, referindo-se à aprovação governamental.
A notícia, que na altura teve
grande impacto nacional, levou a que a PIDE abrisse de imediato e com
caráter de urgência um inquérito, na sequência do qual foram interrogados
Albino André e Gastão Silva no dia 6 de setembro. Alberto Miguéns revela ao DN
que, numa conversa que manteve com o antigo chefe do departamento de futebol do
Benfica, este contou-lhe que "a PIDE queria saber por que razão queria o
Benfica ir a um país com o qual Portugal não tinha relações diplomáticas".
Havia mesmo "uma certa perplexidade" governamental sobre esta
digressão. Na altura, Gastão Silva assumiu perante a polícia política
de Salazar "que o clube estaria interessado no dinheiro que iria ganhar.
O certo é que, em Moscovo,
Albino André reunira-se com um vice-presidente da Federação Soviética de
Desportos e um responsável político para as relações com a Europa Ocidental. E
a ideia foi acolhida com entusiasmo, tendo sido inclusive proposto a Albino
André e à agência de viagens soviética InTourist que, além dos dois
jogos com o Spartak, se fizesse também um intercâmbio cultural que levaria a
Moscovo os fadistas Amália Rodrigues, Fernanda Maria e Carlos Ramos, bem como o
grupo folclórico Pauliteiros de Miranda para atuações na capital soviética.
A decisão do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, liderado na altura por Franco Nogueira, com contribuição
decisiva de António de Oliveira Salazar, foi célere e de imediato comunicada ao
Benfica nesse mesmo dia 6 de setembro: os encarnados estavam proibidos de fazer
essa digressão. Os órgãos sociais das águias
convocaram de imediato uma reunião que se prolongou noite dentro. Daí saiu um
comunicado publicado na edição de dia 8 do DN em que o clube reforçava a
intenção de "manter o intercâmbio desportivo com clubes de todo o
mundo", assumindo por isso uma posição bem vincada de oposição ao regime
de Salazar: "O Benfica não tem quaisquer razões para pensar que
seja considerada impossível pelas competentes autoridades portuguesas a
realização de um encontro de futebol entre a sua equipa e a de um clube
russo."
O certo é que os jogos entre
Benfica e Spartak, em Moscovo e Lisboa, não se realizaram. "Com
esse comunicado, a direção do Benfica demarcou-se da posição do governo e
espicaçou o regime dizendo que era um clube universalista, afinal naquela
altura a equipa fazia muitas digressões, tendo inclusive estado em vários
países da América do Sul e ainda na Ásia", assume Alberto Miguéns, que
a esta distância temporal e "pela conversa" que manteve com Gastão
Silva está convicto de que "a agência de viagens que trabalhava com o
Benfica aproveitou aquela situação para fazer publicidade". E explica o
porquê dessa sua convicção: "Aquela agência organizava, na altura, viagens
quase clandestinas para a União Soviética, em que as pessoas viajavam para
França ou Itália para depois seguirem para Moscovo.
António Simões, uma das estrelas
do Benfica da altura, recorda 52 anos depois que "tratou-se de uma notícia
que durou poucos dias", afinal era um tema incómodo para a ditadura,
declaradamente anticomunista, que vigorava em Portugal. O antigo extremo
assegura ao DN que naquela data "os jogadores não se apercebiam da intervenção
do regime, mas o certo é que era muito complicado obter vistos para ir a países
do Bloco de Leste, dominado pela URSS, pois havia um controlo muito
grande" nessas viagens. Nesse sentido, Simões diz que este
episódio da proibição da digressão à URSS "vem provar que o Benfica nunca
poderá ser catalogado como o clube do regime", até porque "acabou por
marcar uma posição contra o regime de Salazar".
In: Diário de Notícias (01/10/2019)
Artigo de Carlos Nogueira
Benfica visita esta
quarta-feira território russo pela 11.ª vez na sua história, para disputar um
jogo das provas da UEFA. O adversário é o Zenit, em São Petersburgo, e a equipa
de Bruno Lage está obrigada a vencer para alimentar a esperança de apuramento para
os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, depois da derrota com o RB Leipzig,
na Luz, na primeira jornada.
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