Desta feita,
a ampla cobertura televisiva de que o certame foi alvo, assim como a bem
documentada exposição que esteve patente ao público no pavilhão da feira,
recomendavam que não abusássemos do tema.
Aproveitámos
para mudar de ares e alterar o sentido do discurso, trocando o bulício da
grande festa pela tranquilidade do lugar donde regressamos há alguns dias. Foi,
mais uma vez, uma forma de falarmos de memórias de outras terras e outras
gentes. Desculpe-nos, estimado leitor mais apegado a Montemor, esta nossa
deriva.
Nos fins de
Agosto, cumprimos o ritual quase obrigatório de irmos até às Caldas da Felgueira,
uma estancia termal situada a escassos cinco quilómetros de Nelas e de Canas de
Senhorim, no distrito de Viseu.
O nariz, a garganta, os brônquios e os pulmões
agradeceram. As termas situam-se na margem direita do Mondego, com a Serra da
Estrela como pano de fundo. Do lado oposto ergue-se a Serra do Caramulo,
Para um
alentejano, habituado a cabeços suaves e a planuras, a montanha provoca sempre
uma sensação de espanto muito especial, mesmo que o cenário se revele, em larga
medida, destruído pelo fogo, De Seia até Gouveia a Serra apresenta-se desnuda.
Até parece que andou por ali o diabo a incendiar tudo o que era ervinha, árvore
ou arbusto. Em muitas áreas quase só ficaram os gigantescos penedos de granito
e muita terra queimada. Ainda assim, apesar de ter perdido grande parte do
manto verde a Estrela não perdeu a sua majestade.
Falar de
termas equivale a falar de mudança de ares, de exercício físico moderado, de
banhos, irrigações, hidromassagens, nebulizações, ingestão de águas medicinais
e descanso…muito descanso. Em suma falar de muito bem-estar. Houve tempo em que
uma estadia nas termas ou a simples mudança de ares eram consideradas
privilégio só de alguns. Havia até quem procurasse nas grandes estâncias
termais, aqui e por essa Europa fora, lugares de prazer e jogo. Mais do que o
repouso e o efeito benéfico das águas, eram outros os atractivos a despertar
interesse. As termas serviam também de espaços onde desfilava a moda, o chique.
Tal como
aconteceu em muitos outros sectores da sociedade, o termalismo foi-se
democratizando com o evoluir dos tempos. As termas passaram a ser frequentadas
por pessoas de diversas condições económicas e sociais. O ideal seria que todos
pudessem ter ali acesso. Por outro lado foi desaparecendo aquela ideia de que
fazer termas é coisa para velhos. Vê-se por ali cada vez mais juventude. A vida
moderna trouxe doenças novas, que não poupam idades nem classes especificas da
sociedade.
Feitas bem
as contas às despesas com a saúde, diz-nos a experiência que se torna economicamente
compensador fazer uma deslocação até uma estancia termal. Acima de tudo, o
bem-estar não tem preço. Isto, claro, sem dispensar o aconselhamento médico.
Quanto ao
historial das Caldas da Felgueira, desde o reinado de D. Sancho I que há
notícia de uma nascente quente e sulfuria neste lugar. Tambem as Memórias
Paroquiais de 1758 se referem à existência de uma nascente com aquelas
características próximas da vizinha aldeia de Vale de Madeiros, freguesia de
Canas de Senhorim.
A designação
inicialmente utilizada foi a de Banhos ou Caldas de Vale de Madeiros, tendo
posteriormente as águas termais passado a ser conhecidas como Felgueiras de
Cantagalo. O nome, segundo apurámos, deve-se ao facto do arquitecto que dirigiu
a exploração das termas ser descendente dos marqueses de Cantagalo.
Foi no
século XIX que o complexo termal recebeu o termo de Caldas de Felgueira,
designação pela qual é agora conhecido.
Em 1867,
depois de analisadas as águas, estas receberam o reconhecimento internacional
na Exposição Universal de Paris. Descobriu-se , através de experiências
realizadas que aquelas podiam tratar ou mesmo curar doenças respiratórias de
pele ou de foro musculo-esquelectico. Anos mais tarde em Agosto de 1882, foi
constituída a Companhia das Águas das Felgueiras.
Segundo nos
foi dito, no fim da II Guerra Mundial estiveram ali numerosos refugiados de
guerra alemães. Ainda, de acordo com o que nos testemunhou uma das funcionárias
do balneário termal, um dos anexos alojou grande número de pessoas regressadas
de África na década de 70, no período pós colonial. Depois nos anos 90 foi a
vez de alguns grandes grupos ligados ao sector da saúde e hotelaria investirem
na recuperação e ampliação das termas e em modernos equipamentos.
O escritor
Ramalho Ortigão fez referência a um pequeno estabelecimento de banhos, com
pequenos quartos, para cujas banheiras a
água era conduzida por canos abertos. Tempos houve também em que o
transporte era feito em carruagens ou em diligencias que faziam a carreira
entre Mealhada e Mangualde. Quem queria chegar às Caldas da Felgueira tinha de
apear-se na vila de Nelas e descer cerca de uma légua a cavalo.
Destaque
para o Grande Hotel, instalado num volumoso edifício de linhas clássicas a
escassa distância do Rio Mondego. Os clientes tem ainda ao seu dispor outros
hotéis mais pequenos, apartamentos e pensões.
Apesar da
pacatez da pequena povoação, não faltam ali à volta motivos de interesse para desfrutar.
É bom não esquecer que falamos da região do Dão – Lafões. A poucos quilómetros
da Felgueira ficam Cabanas de Viriato, Santar, a bela cidade de Viseu…
A título de
curiosidade, diremos que a nossa primeira consulta, já lá vão cerca de quinze
anos, fomos atendidos por um médico experiente e muito conceituado na região. O
Dr. António Pêga acompanhou centenas de pacientes com bronquite crónica, asma,
sinusite e também pacientes com doenças articulares degenerativas. O que
desconhecíamos é que nos encontrávamos perante um amante de música, um homem
bem-disposto e generoso, sempre preocupado com o próximo e fortemente empenhado
no associativismo cultural. Foi um dos fundadores de um grupo coral em Canas de
Senhorim. Para o clinico e cidadão empenhado o importante era juntar pessoas sem olhar a idades, convicções
religiosas, militância partidária, estatuto social ou formação académica. O que
interessava mesmo era que os participantes sentissem prazer em cantar,
favorecendo um convívio salutar e fortalecendo laços de amizade.
Para atestar
o espirito bem-humorado do Dr. António Pêga, ficam aqui alguns diálogos que
ocorreram nas consultas de cliica geral e que estão publicados no livro
Percursos, um trabalho da sua autoria. À pergunta habitual feita pelo médico,
para saber qual a razão da ida à consulta, surgiram as respostas mais insólitas
e variadas:
- Tenho uma fogage nos assentos, que
Deus me livre!
-Sinto uma desgasteza dentro de mim!
-Depois da mudança de idade, tenho cá
uma calorias!
-Tenho vómitos por cima e por baixo.
É uma pipa rota!
- Tenho dores nas articulas!
- o meu homem parece que tem uma
fístula no fésias…será que é preciso ir à faca!
E pronto,
amigo litor. Estamos mesmo na recta final. É com esta nota bem disposta que nos
despedimos. Até à próxima.
Vitor Guita
Setembro
2019
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