A PIDE, A MULHER TRAÍDA E A
AMANTE FRANCESA
O ano é
1961. Estamos no Portugal de Oliveira Salazar.
As
mulheres portuguesas obedecem, por lei, aos maridos.
Para
elas, o lar. Para eles, o mundo.
Sem
direito a voto, impedidas de viajar sozinhas ou de aceder a diversas carreiras
profissionais (polícia, militar, juíza ou diplomata), as mulheres do tempo da
ditadura estão, na prática, destinadas à reclusão matrimonial, à vocação
maternal e instruídas na obediência cega ao marido.
Desconfortável
com uma informação proveniente de Lisboa, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros francês contactara a embaixada portuguesa em Paris para saber as
misteriosas razões que haviam motivado a interdição de entrada nosso País da
cidadã de nacionalidade gaulesa Gisele Suzanne Calve, de 32 anos. Empregada de
escritório, ela embarcara no avião da Air France, de dia 2 de setembro daquele
ano, rumo a Portugal. À chegada, porém, fora impedida de entrar em território
nacional pela PIDE.
Quando
o facto sobressaltou o governo francês, este exigiu explicações, além de
reclamar a instauração de um rigoroso inquérito ao sucedido. Sem disfarçar a
atrapalhação, os serviços do Estado português tentam indagar as motivações da
ocorrência no aeroporto de Lisboa e apressar uma resposta que evite um
incidente diplomático desnecessário.
A
Direção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna no âmbito do
Ministério dos Negócios Estrangeiros intervém, enviando um ofício à polícia política
a solicitar informações sobre o caso.
A
resposta foi comunicada a 27 de setembro de 1961 pela própria PIDE: a cidadã
francesa Gisele Calve não era politicamente inconveniente, nem uma perigosa
revolucionária ou ativista militante contra o Estado Novo. Pelo menos que se
soubesse, bem entendido. Na verdade, fora apenas proibida de entrar no País
porque “uma senhora portuguesa” se queixara à polícia política da madame que,
afinal, seria a suposta amante francesa do marido, acusando-a, por isso, de “desarmonia
do lar”.
Zeladora
da ordem, protetora dos bons costumes, a PIDE decidiu encerrar o caso e
recambiar a triste e desamparada Gisele à proveniência, mantendo intacta a
fachada do abençoado casamento católico, feliz e para a vida, sem que tenham
sobrevivido relatos de outras diligências.
Dez
anos antes, no verão de 1951, uma outra francesa, conotada com os apaniguados
do regime de Vichy, aterrara sem problemas em Portugal.
Christine
Garnier era jornalista e romancista. Viajara até Lisboa para entrevistar e
retratar o Presidente do Conselho em livro. Chamou-lhe Férias com
Salazar, mas o conteúdo alcançaria, na modorra nacional de então, estatuto
de algum atrevimento.
Sobre o que esse “vendaval de alegria” e
“desordem perfumada” de apelido Garnier fez à vida do ditador, muito terá
ficado por contar. Nada, porém, que preocupasse o professor de Santa Comba.
Como se sabe, morreria celibatário e sem protagonizar, pelo menos oficialmente,
qualquer incidente a que PIDE pudesse chamar “desarmonia do lar”.
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