CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
Quem fala assim…
Acho perfeitamente normal que a gaguez de
Joacine choque. A fragilidade origina, no progresso da humanidade e da
cidadania, a empatia, e por isso ficamos impressionados, ou seja, profundamente
marcados e não indiferentes. Há quem não consiga enfrentar as fragilidades e
diferenças dos outros porque nelas revê o medo de que tal lhe calhe a si, ou a
alguém próximo, também um dia. E há quem ria e goze publicamente, talvez
aliviado por não ter que expor os seus defeitos enquanto expõe os dos outros.
Até ao momento em que, claro, o faz: quando precisamente goza com os defeitos
de quem, apesar deles, chega onde quer, e democraticamente. E depois há quem se
habitue a conviver com essa diferença e acabe por, nesse convívio normal, só
reparar noutros defeitos e noutras virtudes dessa pessoa, como de outra
qualquer.
A
gaguez de Joacine Moreira veio, no entanto, permitir a “verborreia” de quem
parece que apertou um furúnculo e de lá saiu o pus do racismo e do elitismo
parolo. A gaguez e a árvore genealógica, claro. Ninguém lhe perdoa ser gaga,
negra orgulhosa da família e ser eleita deputada à AR. O Livre sabia que
Joacine ia ser um caso, Joacine aceitou e ganhou. Respeito!
Durante
a campanha, pouco lhe ligaram, porque, como bem sabe quem lida com comunicação
e com as massas, “bad publicity is still publicity”. Mas uma vez eleita, e
sentindo-se legitimados pelo deputado de extrema-direita que elegeram,
aproveitaram o detalhe de uma bandeira guineense – que representava não só o
berço de muitos portugueses, apoiantes de Joacine, mas a sua própria origem –
para começarem os insultos e os pseudo-patriotismos.
Argumentos
para um suposto patriotismo que, no vómito que é o texto da Petição (leram-na
mesmo antes de assinarem?!), disfarçam a xenofobia e, até a sua versão mais
paroquiana, que se entretém a apontar como um defeito humano viver-se e
lutar-se por um lugar onde não se nasceu. (Eu sei do que falo, porque fui
eleita por Évora, para Évora, e mais do que uma vez ouvi que não prestava para
o que fazia porque não era de cá. Imagine-se isto vindo das mesmas bocas que se
enchem e babam com o título de Évora Património da Humanidade…).
Gente
que eu julgava com dois dedos de testa por saber que têm uma parte da sua vida
dedicada, por exemplo, ao bem-estar dos animais (que seria um sinal de
humanismo) ou a trabalhar em instituições de apoio a pessoas portadoras de
deficiência (que seria um sinal de solidariedade). Afinal não. Afinal a
publicitação desta petição foi antes um sinal da sua insignificância. Um sinal
de argumentos de um nível rasteiro, completamente gagos.
À
gaguez da Joacine vamos todos habituar-nos, vai a AR exercitar a paciência (que
é uma excelente virtude) e praticar a solidariedade, que deixa de ser só um
conceito bonito no papel. A gaguez da Joacine, num mundo de aparências em que
damos por nós, vai educar-nos. Porque quem fala assim pode fazer a diferença.
Até
para a semana.
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