terça-feira, 15 de outubro de 2019

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA RÁDIO DIANA/FM


CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
                         Quem fala assim…
 Acho perfeitamente normal que a gaguez de Joacine choque. A fragilidade origina, no progresso da humanidade e da cidadania, a empatia, e por isso ficamos impressionados, ou seja, profundamente marcados e não indiferentes. Há quem não consiga enfrentar as fragilidades e diferenças dos outros porque nelas revê o medo de que tal lhe calhe a si, ou a alguém próximo, também um dia. E há quem ria e goze publicamente, talvez aliviado por não ter que expor os seus defeitos enquanto expõe os dos outros. Até ao momento em que, claro, o faz: quando precisamente goza com os defeitos de quem, apesar deles, chega onde quer, e democraticamente. E depois há quem se habitue a conviver com essa diferença e acabe por, nesse convívio normal, só reparar noutros defeitos e noutras virtudes dessa pessoa, como de outra qualquer.
A gaguez de Joacine Moreira veio, no entanto, permitir a “verborreia” de quem parece que apertou um furúnculo e de lá saiu o pus do racismo e do elitismo parolo. A gaguez e a árvore genealógica, claro. Ninguém lhe perdoa ser gaga, negra orgulhosa da família e ser eleita deputada à AR. O Livre sabia que Joacine ia ser um caso, Joacine aceitou e ganhou. Respeito!
Durante a campanha, pouco lhe ligaram, porque, como bem sabe quem lida com comunicação e com as massas, “bad publicity is still publicity”. Mas uma vez eleita, e sentindo-se legitimados pelo deputado de extrema-direita que elegeram, aproveitaram o detalhe de uma bandeira guineense – que representava não só o berço de muitos portugueses, apoiantes de Joacine, mas a sua própria origem – para começarem os insultos e os pseudo-patriotismos.
Argumentos para um suposto patriotismo que, no vómito que é o texto da Petição (leram-na mesmo antes de assinarem?!), disfarçam a xenofobia e, até a sua versão mais paroquiana, que se entretém a apontar como um defeito humano viver-se e lutar-se por um lugar onde não se nasceu. (Eu sei do que falo, porque fui eleita por Évora, para Évora, e mais do que uma vez ouvi que não prestava para o que fazia porque não era de cá. Imagine-se isto vindo das mesmas bocas que se enchem e babam com o título de Évora Património da Humanidade…).
Gente que eu julgava com dois dedos de testa por saber que têm uma parte da sua vida dedicada, por exemplo, ao bem-estar dos animais (que seria um sinal de humanismo) ou a trabalhar em instituições de apoio a pessoas portadoras de deficiência (que seria um sinal de solidariedade). Afinal não. Afinal a publicitação desta petição foi antes um sinal da sua insignificância. Um sinal de argumentos de um nível rasteiro, completamente gagos.
À gaguez da Joacine vamos todos habituar-nos, vai a AR exercitar a paciência (que é uma excelente virtude) e praticar a solidariedade, que deixa de ser só um conceito bonito no papel. A gaguez da Joacine, num mundo de aparências em que damos por nós, vai educar-nos. Porque quem fala assim pode fazer a diferença.
Até para a semana.


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