segunda-feira, 2 de setembro de 2019

VASCULHAR O PASSADO - Augusto Mesquita

VI Volta a Portugal em Bicicleta - Montemor  foi palco da chegada da 1.ª etapa
 A participação do ciclista unionista António Silva na V Volta a Portugal em Bicicleta, teve um condão na escolha de Montemor-o-Novo para final da 1.ª etapa da VI Volta a Portugal em Bicicleta que se realizou em 1935.
 Na década de 30, estavam no auge os corredores José Maria Nicolau (Benfica), vencedor em 1931 e 1934, e Alfredo Trindade (Sporting), vencedor em 1932 e 1933.
 Mas, reza a história, que nesse ano de 1935 o ferreirense Luís António Passanha Pereira, homem de grande fortuna, era dirigente do Sporting Clube de Portugal. Por desentendimento com outros membros da direcção e como desagravo, resolve transferir a equipa de futebol sportinguista para a sua terra natal com o intuito desta competir a nível nacional. Só não conta com os regulamentos das estruturas federativas do futebol português, que não lhe permite efectivar essa mudança de imediato.
 Na impossibilidade da tarefa, resolveu-se então pela equipa de ciclismo, fazendo com que quase toda a estrutura do Sporting, transitasse para Ferreira do Alentejo, assim como César Luís a nova coqueluche benfiquista.
Era, portanto, enorme a expectativa quanto ao comportamento deste ciclista no início da VI Volta a Portugal em Bicicleta, cuja primeira etapa  terminava na Pista do Estádio 1.º de Maio.
  Depois desta introdução, vou recorrer ao texto que o meu saudoso conterrâneo Viriato Camilo escreveu na “Folha do Sul” sobre a primeira visita da Volta a Portugal em Bicicleta a Montemor-o-Novo.
                                          O Estádio 1.º e Maio recebe o final da etapa
À medida que os dias foram decorrendo, e se aproximava o dia 25 de Agosto, foi aumentando o interesse e o entusiasmo pelo começo da grande prova ciclista, a VI Volta a Portugal em Bicicleta, cuja primeira etapa, Lisboa (Cova da Piedade) – Montemor-o-Novo, terminou na pista do Estádio 1.º de Maio.
 Por toda a parte da vila, e este ano mais do que em qualquer outro, talvez por Montemor registar pela primeira vez a passagem da caravana, não se ouvia senão falar nos nomes dos mais populares e categorizados “ases” do ciclismo português. Nicolau, Trindade César Luís, Marquês,  etc, etc., são figuras tão populares de tanto relevo no desporto, que já não há ninguém que não discuta os seus nomes e as suas proezas de grandes estradistas.
Assim, em agrupamentos de entusiastas, onde acaloradamente se discute a “Volta”, é fácil ouvir-se: “Quem vence este ano é o Nicolau!” “Quem ganha é o Trindade!” “Quem triunfa é o Marquês!...” E é um nunca acabar, porque cada qual, na ânsia de levar o seu favorito, considera-o, como possível vencedor.
 E nós então, prosseguindo, rimo-nos dos ferrenhos partidários e do seu louco entusiasmo, que chega a ser comunicativo, e perguntamos a nós próprios: “mas quem diabo será o vencedor, da VI Volta?” E sem dar-mos quase por tal, recordando o nome deste ou daquele corredor mais afamado, como possível e provável triunfador, sentimo-nos admirador do César, do Trindade, do Nicolau... e até da “Volta”... que nos vai dando volta ao “miolo”!...
No Estádio 1.º de Maio, onde os ciclistas da Volta terminam a 1.ª etapa, estão-se fazendo as necessárias reparações da pista.
As obras de alargamento de uma das entradas para melhor e mais fácil ingresso dos corredores no estádio, também devem ser iniciadas em breve.
 Até que chegou o grande dia... Muito calor, fazendo subir a temperatura, já elevada, entre a multidão que, desde a entrada da Rua de Lisboa, se ia acotovelando nos passeios, impaciente e nervosa. Os mais avisados, chegando cedo, arremataram os postos estratégicos que permitiam melhor e mais ampla visão da corrida. Qualquer indício móvel, susceptível de se confundir com ciclistas, fazia com que o público, ao mais pequeno movimento, deixasse o passeio...
Até que algo aconteceu. Primeiro os carros de apoio e da direcção da prova. Depois quem seria? O festejado César Luís? Depressa as dúvidas se dissiparam logo que aquele homem, pedalando num ritmo regular e galgando as últimas centenas de metros que o separavam da meta, surgisse mais de perto. O barulho da multidão aumentava com a excitação, tanto mais que o sinal possível de identificar, a cor da camisola, não ajudava porque a visionada era branca.
Por fim, hei-lo: o “desconhecido” José Marquês, a reboque de uma fuga a partir de Vendas Novas, resolveu atacar, deixando para trás três deles(Cabrita Mealha, Ezequiel Lino e João Rainha) e só um, César Luís lhe foi na peugada. Mas Marquês ganhara grande balanço: fazendo a extraordinária média de 35,200 Km/hora nos 136.200 Km medidos entre a capital e Montemor, deixara todo o mundo estupefacto ao vê-lo passar sem o reconhecer. Até que chegado ao Estádio 1.º de Maio, entrou pelo portão da direita, ao lado das cabinas, rolou os dentes cerrados, em grande estilo, pela pista que circundava o campo de futebol e cortou a meta com naturalidade.
Passados alguns minutos, dá-se então uma explosão sonora pela Rua Nova acima: César Luís surgira ao fundo, executando a curva e contornando o lago. Prepara a subida da Rua Nova, erguendo-se do selim e balanceia em cada pedalada, levando a bicicleta ora para um lado, ora para o outro. Duas câmaras de ar cruzam-lhe o corpo, que vem suado, tal como a máscara do rosto, amassado de pó cinzento. Cada metro percorrido é um esforço heroico ajudado pelos incitamentos do público. Este, por pouco não o agarrava e o depositava lá em cima, naquele morro que não acaba. Terminado, enfim, o sacrifício, César Luís, após o espectáculo alucinante protagonizado no cenário da Rua Nova, encaminha-se para o estádio no cumprimento do ritual da chegada.
O ciclista José Marquês, foi o vencedor da I etapa da VI Volta a Portugal em Bicicleta, que teve o seu final na desaparecida pista de ciclismo do Estádio 1.º de Maio, envergando por isso a camisola amarela.
Numa parada de estrelas onde pontuavam, por exemplo, o benfiquista José Maria Nicolau e o rival Alfredo Trindade, os Leões de Ferreira do Alentejo, impuseram-se aos demais, consagrando na vitória da Volta a Portugal desse ano de 1935 outro grande nome do ciclismo português - César Luís.
                                                       César Luís venceu a Volta
César Luís  interrompe os duelos entre Nicolau e Trindade, e vence a  6ª Volta a Portugal, em Bicicleta, triunfando em 2 etapas e andando 9 dias de amarelo, deixando José Marquês do Campo de Ourique em segundo lugar a 17 m e 02 s de distancia.
                                  Trinta e sete anos depois, a Volta regressou a Montemor
No dia 16 de Agosto de 1972, Montemor-o-Novo foi palco da final da 19.ª etapa da 35.ª Volta a Portugal em Bicicleta, Tavira – Montemor-o-Novo, com organização do Grupo União Sport, a qual foi ganha pelo ciclista do Sangalhos, Manuel Lote.
À noite, no Estádio 1.º de Maio, procedeu-se à entrega de 68 prémios aos ciclistas. O artista e locutor Miguel Simões, afirmou: Montemor-o-Novo conquistou a “Camisola Amarela” na generosidade manifestada, pelo número e valor dos prémios oferecidos aos “voltistas” e pela carinhosa e bem organizada hospitalidade com que os recebeu. Depois deste acto, no Salão da Sociedade Círculo Montemorense “Pedrista” foi oferecido aos jornalistas e aos cargos oficiais da volta, um abundante beberete a que assistiram as entidades oficiais da Vila.
Também o jornalista de “A Bola”, Santos Neves, atribuiu a Montemor-o-Novo a “Camisola Amarela” e elogiou a forma como os jornalistas foram apoiados no desempenho do seu árduo trabalho. Não nos podemos esquecer que em 1972 não existiam telemóveis, e os telefones existentes na então Vila de Montemor-o-Novo, eram em número muito reduzido. Foram colocados ao dispor dos jornalistas, a velhinha sede do GUS, que se situava no número 5 da Rua Capitão Pires da Cruz, e o telefone, as instalações das Sociedades Carlista e Pedrista e respectivos telefones, assim como os telefones dos comerciantes, Senhores Jaime Nogueira e Américo Mira.
Desenvolveu um trabalho notável no apoio aos homens da comunicação escrita e falada, o elemento da Comissão Organizadora, o meu saudoso amigo António Gabriel Calhau Teixeira.
Augusto Mesquita
Agosto/2019


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