quinta-feira, 5 de setembro de 2019

ASSALTO AO QUARTEL - Por A.C.

Ninguém sabe como é que Salzedo se guindou ao pináculo do ministério, mas todos sabiam de antemão os problemas bicudos em que se iria meter, no seu relacionamento com a tropa. Há aqueles tipos que olhando para eles nos passam logo a impressão de que não vale a pena insistir. São tortos…, em algumas regiões chamam-lhe “garrochos”, sem sentido de humor – quando pensam que estão a dizer uma piada, sai-lhes a maior das heresias, não admitem qualquer discussão sobre assuntos sérios (e outros) porque nasceram com a razão do seu lado. Com este perfil foi o Salzedo plantado na ERC. E o passo seguinte, como é habitual neste tipo de bons serviços, deu-se a seu tempo:  uma nomeação ministerial, e logo para a pasta da Defesa Nacional…, … tão a seu gosto que eram as manobras militares da tropa. O pior veio depois…
O aforismo popular, do tempo da monarquia, “foge cão que te fazem barão”, inspirou os detratores maldizentes do Defensor Mor, sobre quem diziam “foge Salzedo que te fazem morcego”. Não que o ministro Salzedo andasse pela calada da noite roubando a seiva vital da tropa…, nada disso! O dito foi tomando foros de verdade quando se percebeu que o Salzedo da defesa tomava decisões, sobre tudo e mais alguma coisa, de cabeça para baixo. E interrogado pelos detestáveis media sobre o assunto disse airosamente «que assim, de cabeça para baixo, o sangue lhe inundava melhor o cérebro, dando-lhe mais rendimento na construção das complexas ideias ministeriais».
Homem áspero, desejoso de pôr a tropa em marcha, sob seu comando fosse onde fosse a guerra, Salzedo já ia em mais de metade do ministério e nada acontecia; ao menos um “neo” Tolam podia encalhar em frente ao forte do Bugio para pôr os almirantes a tirar o pó dos fatos de mergulho; dando também oportunidade ao Marçalo de ser fotografado a dar umas braçadas na direção do acontecimento… e a tirar umas selfies com um ou outro cabo dos fuzileiros ; e porque não uma invasão de espiões chineses, lançados de paraquedas sobre Monsanto, com a missão de raptar o nosso 1º LaCosta, agora refugiado no Terreiro dos Passos…, à mão de semear de qualquer carteirista do 28 ou do 15…; … assim divagava para si o dono da tropa fandanga, sonambulando refastelado no cadeirão ministerial, com aquele seu ar ausente de camaleão às moscas, quando acorda em sobressalto com a carantonha do seu chefe de gabinete, postado à sua frente com um telefone Huawei na mão… sussurrando-lhe: o LaCosta quer falar ao “senhor ministro defensor”. O chefe de gabinete bateu em retirada assim que passou o testemunho para a defesa, duvidando que viesse dali o melhor ataque…, … antes o maior desastre…
 O telefonema
-Tá lá…, tá lá…, meu 1º há guerra pr’aí?… …Salzedo foi interrompido bruscamente pela VOZ…
«Ó Salzedo… quantas vezes já disse para não me chamares “meu 1º”… …há guerra o caraças… …foram-te ao paiol de Tancús e tu não dás por nada?... …como é que eu soube?... …foram os gajos do SISUDO (sigla secreta) e do CODESINF (Contra Desinformação)… …tu não lhes atendes o telefone e o general Rabisco está a dormir a sesta… …a mulher recusa-se a acordá-lo… …porra!, que merda é esta?!?».
-Ó LaCosta acalma-te lá…, para eu perceber o que é isso do paiol…
«Acalma-te lá?... e o que é isso do paiol?... vou fazer de conta que não estou a ouvir o que o defensor do meu governo me está a replicar… agora percebo porque é que o Centeio te chama de papa moscas… bem vista essa do Centeio».
-Papa moscas?!..., gaguejou em seco o “defensor do governo”, que recebeu uma resposta ainda mais seca: «faz-te à estrada…, acorda o sorna do Rabisco… e não me apareçam sem o nosso material de guerra…, o país está desarmado Salzedo…». O 1º LaCosta ainda ouviu um enorme chiar de pneus seguido de um estrondo ensurdecedor – O Defensor Mor acabara de se estampar no parque de estacionamento do ministério.
Depois de certas peripécias que acontecem na vida de qualquer mortal…, quanto mais na de um Defensor da República, Salzedo chega a Tancús dois dias depois do inusitado roubo. Entre andanças e marchas forçadas, que já parecia estar num daqueles cursos malucos dos “comandrones”, fizera a viagem num velho chaimite, peça de museu do ministério, que o deixara a meio do percurso com o motor gripado, tendo que palmilhar o restante montado no par de sapatos estreado novinho em folha, que deixou biqueiras, solas e tacões colados ao esbraseante alcatrão do mês de Junho. Viera só, contra ordem superior do 1º LaCosta, pois o patife do Rabisco passara à clandestinidade no mais sigiloso dos sigilos.
À porta do quartel da “tropa fandanga”, fechada a sete ferrolhos, um grande letreiro anunciava «Estamos fechados para balanço do armamento militar à guarda no nosso paiol». Salzedo anunciou-se como o ministro Defensor, mas o sentinela mandou-o pentear macacos para outro lado; em primeiro lugar, porque não lhe entrava na cabeça que um tipo que se intitulava o ministro Defensor não soubesse a senha de passe de entrada; e em segundo lugar, por estar farto do que acontecera nos dias anteriores, com todos os malucos à solta a baterem à porta da Unidade. Salzedo chegou mesmo a ouvir aquele impropério muito comum: «que fosse bater à coisa da sua prima».
Bem vistas as coisas, o rapaz que estava de guarda à porta de armas de Tancús tinha toda a razão, pois estava ali a cumprir uma nobre missão de defesa. Afinal, pensou Salzedo, esta coisa não está assim tão mal guardada como dizem…, pode ser que tudo não passe de uma fake news…, quem sabe se o LaCosta não anda a fazer um simulacro com o governo… é bem capaz disso… para me lixar a fazenda… e o cabedal… vamos desmascará-lo… surpreendê-lo à má fila…
2º Telefonema
-Tá lá…, tá lá…, sou eu o Salzedo…, ó LaCosta os gajos aqui não me deixam entrar no quartel… o tipo que está à porta de guarda perguntou-me a senha… qual senha?... sei lá se soubesse tinha-lhe dito…, mas ainda lhe disse o teu nome e o rapaz manda-te dizer que vás bater à coisa da tua prima que também não te conhece de lado nenhum…, … que se insisto solta os cães…, estão encerrados a fazer um inventário ao material de guerra… não querem ser chateados… sim…sim… coisa da tua prima e não querem ser chateados foi o que o gajo disse… …para eu lhe perguntar o nome e o nº mecanográfico?... ó meu 1º telefona tu a estes malucos… estou com medo dos cães… …o Rabisco?... …baldou-se, a mulher diz que está clandestino… … não, não é mal do intestino… …é Clan-des-tino. Estou?... sim estou… espero dez minutos e volto a tentar… ok meu 1º… …ao altifalante do telemóvel do Salzedo ecoou uma voz irritadíssima, entretanto abafada pelo dedo indicador do ministro defensor, pressionando o botão de desligar… (a porra são os cães).
 Encontro imediato de 1º grau
 Quem visse Salzedo fazer-se à porta de armas, tal minotauro com cabeça humana destilando raiva pelas narinas, sem mais delongas procuraria refúgio nos píncaros da árvore mais próxima. A sentinela, alerta, reconheceu-o à distância e cogitou «olha… ali vem o mesmo maluco de à pouco… o defensor!»; pressentindo a fúria que o outro arrastava consigo tentou pegar na arma que tinha à tiracolo, gesto que foi contrariado pela mão de alguém que chegara. Ao mesmo tempo chegara o desembestado Salzedo que esbarrara com essa mão…, e depois com a outra, que subiam para uns braços abertos que lhe deram um apertado abraço de boas vindas ao quartel general de Tancús. O defensor mor reconheceu de imediato a voz do abraçador quando este lhe disse «bem vindo a casa senhor ministro defensor nacional.
Salzedo nem queria acreditar: –ó Rabisco, anda meio mundo à tua procura e o outro meio a ver se te encontra… … o que fazes tu aqui homem? Ao que o Rabisco respondeu – para falar verdade, no meio de tanta gente séria, só posso dizer que não sei o que estou aqui a fazer, pois perdi a bússola do passado nas últimas manobras militares que se realizaram aqui em Tancús, tudo provocado pelo rebentamento de uma granada defensiva que inadvertidamente lançaram para muito perto do meu estado maior.
-Homessa…, essa é boa…, pensava eu que os generais estavam a recato das armas…, mas se o nosso general não sabe o que está aqui a fazer, porque está aqui?
«Defensor Salzedo…, alguém o confundiu com um elemento da PJ que viria para sabotar a auditoria ao armamento de Tancús, ou seja, de Portugal… certo? Coube-me a patriótica missão de barrar-lhe o caminho…, pelo que, desde já, lhe apresento as minhas sinceras desculpas».
O defensor mor, que tinha mau feitio, cuspiu para o chão sete vezes após o que ordenou: «vamos lá então passar revista ao poial…, desculpem meus senhores…, quero dizer PAIOL… em frente marche.
 As armas e os ladrões assinalados…
 -Olha… olha…, as nossas arminhas estão cá!..., exclamou o Salzedo ao entrar no paiol, seguido da vassalagem curva e sorridente. O Rabisco lançou um sorriso amarelo, mais riso apatetado, para o defensor mor cujos olhinhos pequenininhos saltitavam atrás das grossas lentes dos óculos. «O material voltou à casa mãe…, meu querido defensor…, feitas as contas, com noves fora e raiz quadrada, temos um superavit de quatro G3, cinco caixas de chumbo para pressão de ar e três caixas de granadas defensivas… … tudo graças aos esforços da nossa PJM… aqui na pessoa do nosso major Frazão, que contou com a colaboração da TNT de Louvalé…, militares a quem vou propor condecoração no  futuro dia do Camões, com medalha de cruz de latão e dois tostões por serviços devolutivos à pátria».
O defensor, ouvindo atentamente o Rabisco, esfregava as mãos de contente ao mesmo tempo que pensava «por esta é que o LaCosta não espera…». De seguida atacou nove vezes o teclado do seu Huawei, aguardando que o LaCosta atendesse.
Cinco minutos depois: –este diz que não atendo o telefone… e ele ainda é pior… pssssss… ouviu-se a VOZ questionando quem estava lá...
-Felizmente parece que não ouviu… … ó meu 1º sou eu… o Salzedo… com muito boas notícias… as arm… … Salzedo ouviu um palavrão de primeira categoria, pedindo imediatamente desculpa pelo equívoco constante…  que não o fazia por mal… apenas um velho hábito da tropa, onde nos metem coisas na cabeça que ficam para toda a vida.
-Sim… sim… vou completar de imediato meu… senhor: –as armas de Portugal foram recuperadas…, isto é…, foram encontradas graças a Deus e ao major Frazão… … todinhas sim… até com mais umas fora do lote… suponho eu serem de juros… sim… sim, certamente… ainda ficamos a ganhar com o roubo… e o Rabisco também apareceu, muito enegrecido por três dias de clandestinidade… mas não sabe onde esteve.
O LaCosta tomou conta da conversa, pois o Salzedo não se calava: –ficas desde já avisado que vais ser condecorado pelo Marçalo. E o Rabisco passa à peluda, pois são já muitos anos de tropa… “fandanga”…
 Discurso de Marçalo, no jantar de despedida do Salzedo, um ano após o episódio rocambolesco:
Três vezes negou Pedro
a Jesus na última ceia.
E foi-lhe apontado o dedo:
tu me negaste por medo
de ser envolvido na teia.

O Salzedo negou mais,
pelo menos vezes sete!
Cuidado que é demais…
Negar o que compromete
é bom título pra manchete…
A quem negou o Salzedo? Não sei…, nem isso interessa…
AC

Aos que lerem esta lengalenga, espero que não sejam muitos, deixo aqui sinceras desculpas.
Nem sempre o que parece é, e há lobos que gostam de brincar aos cordeirinhos.
Ora parece que o Salzedo mais não foi que um bode expiatório, ardendo em lume brando, para proteger meia dúzia de tratantes que andam na política desde que nasceram.
Aí está o Presidente (da união das creches e jardins de infância da política), Prof. Marçalo, a declarar que "agora já não é encobrimento" e mais... que "o país corre o risco de estar a criar uma nebulosa que tem como efeito nunca apanhar os responsáveis"...; isto para quem o tem ouvido repetir, em qualquer inauguração ou cerimónia com protocolo de Estado, que quer o caso investigado até ao fim..., doa a quem doer, só pode ter um de dois significados, a saber:
    1. O Prof. Marçalo virou astrónomo, pois anda a ver nebulosas...
    2. e domina a física dos "buracos negros", onde o “horizonte do acontecimento” nada deixa ver para além de...

PS: (A presente reportagem foi escrita com o mais alto sentido patriótico, ou não se tratasse das “armas de Portugal”, que abrem desde há 500 anos a epopeia portuguesa pelo mundo; o acontecimento de Tancús está ainda longe de um esclarecimento cabal, mas o tal major Frazão ameaçou (por chamada anónima) o repórter de o “cortar às postas”, caso o mesmo persista em bisbilhotar um (não) acontecimento que é segredo de estado; teremos, pois, de repensar as palavras assertivas do Sr. Major… …o que ditará o nosso empenho em continuar a (des)montar o puzzle das “armas de Portugal”).  

1 comentário:

Anónimo disse...

"eles" merecem ser retratados com este contra-humor salutar. Porque o não têm, porque são parolos, porque são ridiculamente ridículos.
Ao ler o texto recordou-me um pouco o Jaroslav Hasek.
Cumprimentos ao AC