No passado, Lisboa não era conhecida
pela sua limpeza . Uma curiosa descrição estrangeira feita em 1701 afirmava
que: “Lisboa, e especialmente a zona da cidade perto da água, é o
lugar mais sujo que alguma vez vi. Muitos velhos comandantes de navios me
asseguraram que é o porto de mar mais sujo da Europa, e eu acredito neles,
pois me parece que uma imaginação viva dificilmente poderia imaginar um pior.
Nunca cheirei cheiros tão fortes ou ofensivos como aqui, e todos os fedores
que pairam em Londres são ramalhetes de flores para eles. Estou convencido de
que seja qual for a salubridade que os Portugueses imaginam que tenha, estão
reconhecidos à qualidade do ar por não causar doenças contra eles. Aceitarem
como o fazem que toda a espécie de porcarias seja atirada às ruas (porque
despejam as suas porcarias mesmo junto do Palácio do Rei) provoca um cheiro
tão abominável que ninguém passeia muito tarde à noite ou muito cedo de manhã
e, no entanto, o cheiro não é tudo. Uma pessoa que esteja habituada a passear
tarde pelas ruas está cheia de sorte se não apanhar com algumas dessas
porcarias na cabeça, e, se isto acontece depois das 9 da noite, não há
remédio. Até às 9 horas pode obter-se na lei pagamento pelos danos que
provoquem na roupa de uma pessoa. Eu penso que não se pode duvidar de que
estas porcarias contribuem grandemente para o facto de eles serem tão
perturbados no Verão com enxames de moscas, mosquitinhos, percevejos,
mosquitos e outros bichos, porque se tivessem metade do trabalho que têm os
Holandeses a lavar as casas e a manter as ruas limpas, acredito que ficariam
livres deles em grande parte […]” (Thomas Cox e Cox Macro, Relação do
Reino de Portugal [de] 1701, Lisboa, Biblioteca Nacional, 2007).
Esta Lisboa de antes do terramoto, com
“ruas tortuosas, mal ou não pavimentadas, casas muito diferentes umas das
outras e desalinhadas, regos malcheirosos no meio das ruas, montões de
estrume ou de imundície a obstruir as encruzilhadas” , desapareceu em
1755 e não reapareceu com o Marquês de Pombal. Ás linhas direitas da cidade,
o ditador do Século das Luzes juntou disposições para maior higiene e a
proibição de atirar para a rua as imundícies caseiras. Ou seja, não se podia
ser Iluminista e cheirar mal ao mesmo tempo.
É aqui que aparece o calhandro, termo
de origem obscura, que designa um vaso grande e cilíndrico onde se despejavam
dejectos e outras imundícies recolhidos de cada casa, para serem colocados em
local próprio. O local próprio era, a maior parte das vezes, um calhandro
bastante maior, um barril suportado em duas varas, transportado pelas vielas
lisboetas para recolher os dejectos e deitados fora na Ribeira de Alcântara
na confluência com o Rio Tejo.
Esse trabalho era efectuado, predominantemente,
por ex-escravos numa Lisboa na qual, “ a partir de meados do século
XV, começaram a adquirir uma representatividade significativa em termos
demográficos. Referimo-nos sobretudo aos de raça negra, trazidos para
Portugal quando os navegadores chegaram à costa da Guiné. Embora grande parte
das centenas de escravos que anualmente chegavam a Portugal fosse vendida
para outros reinos, os restantes foram usados nas plantações de açúcar da
Madeira, nos campos de culturas extensivas e em
serviços domésticos. Ao todo, muitos
milhares de africanas e africanos viveram em Portugal, particularmente em
Lisboa, criando uma minoria étnica estável.”
E assim nasce o termo calhandreiro ou
calhandreira, o ( desculpem o termo ) transportador da “ merda” para o rio.
Com o tempo e com o saneamento acabou
o transporte da imundície à mão, mas ficou o termo.
Hoje calhandreiro ou calhandreira
significa aqueles que passam a vida a dizer mal dos outros, “ aqueles que
quando abrem a boca só sai merda “.
Está certo.
Um nome de origem histórica fica
sempre melhor nestas circunstâncias.
|
quinta-feira, 22 de agosto de 2019
OS CONTENTORES DE ANTANHO OU A PROVENIÊNCIA DOS (DAS) CALHANDREIRAS
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário