terça-feira, 23 de julho de 2019

VASCULHAR O PASSADO - Rubrica de Augusto Mesquita


        Montemor e a Volta a Portugal em Bicicleta
 Parte I
           
 No dia 31 do corrente mês de Julho, inicia-se em Viseu a 81.ª edição da Volta a Portugal em Bicicleta, que termina no dia 11 de Agosto na cidade do Porto.
Tal facto, levou-me a pesquisar factos ocorridos na V, VI e 35.ª Volta a Portugal em Bicicleta, nas quais Montemor-o-Novo teve um papel importante, e trazê-los ao conhecimento dos prezados leitores.
 As primeiras corridas velocipédicas realizadas em Portugal, de que há notícia, datam de 17 de Maio de 1885, integradas num programa de competições de atletismo organizadas pelo Ginásio Clube Português no Hipódromo de Belém, nas quais triunfaram Domingos Basto, Jorge Norton, Carlos Bernes e Herbert Dagge, este último considerado por vários historiadores do fenómeno desportivo, como o “pai do ciclismo em Portugal”. Neste mesmo ano José Bento Pessoa venceu os 12 Km do Campo Grande.
A história do ciclismo confunde-se com a história da bicicleta. Há mais de um século atrás, a bicicleta é a nova tecnologia que desestabiliza o equilíbrio e renova as emoções associadas à velocidade e a novos passeios. É, no entanto, a desestabilização das emoções gerada pelas corridas de bicicletas nos hipódromos, nos velódromos e nos espaços públicos que leva à estabilidade institucional do ciclismo de competição, com a criação da União Velocipédica de Portugal em 1899 e a invenção de eventos desportivos como a Clássica Porto-Lisboa e a Volta a Portugal em Bicicleta.
A I Volta a Portugal em Bicicleta foi organizada por uma parceria entre os jornais Diário de Noticias e os Sports, que se inspiram no “Tour” de França inventado pelo jornal  L'Auto em 1903. A Volta a Portugal aparece a seguir ao “Giro” de Itália organizado pela La Gazeta dello Sport em Maio de 1909, e antes da “Vuelta” a Espanha realizada pelo Informaciones La Gazeta dello Sport em 1935 .
 A Volta a Portugal em Bicicleta, iniciou-se a 26 de Abril de 1927 e percorreu o país durante 20 dias, num percurso de 2 000 km repartidos por 18 etapas terminando com uma recepção em apoteose pela população em Lisboa. António Augusto Carvalho do Carcavelos sagrou-se o primeiro vencedor naquela que viria a ser chamada de “Prova Rainha” do ciclismo português.
Em 1928, 1929 e 1930 a Volta a Portugal em Bicicleta não se realizou.
Com a inauguração do Estádio 1.º de Maio em 1 de Maio de 1927, o qual dispunha, além do campo de futebol de 11, de uma pista para a prática do atletismo e do ciclismo *, de um polidesportivo descoberto destinado à prática do basquetebol e do voleibol, e de um “court” de ténis, estavam criadas as condições para os montemorenses praticarem as mais diversas modalidades.
Motivada pelo facto da juventude montemorense ter aderido ao ciclismo, a Direcção do GUS criou a Secção de Ciclismo. Primeiro, nas tradicionais “pasteleiras”, e depois nas ambicionadas bicicletas de corrida, os ciclistas do GUS começaram a participar em provas realizadas em  Montemor, e a pouco e pouco, passaram a actuar em torneios de ciclismo realizados em Estremoz, Évora, Vendas Novas, Ferreira do Alentejo e Cuba, entre outras localidades.
Josué Vacas, José Martins, Manuel Joaquim Matilde, Francisco José Marrafa, Gaudêncio Salgueiro, João Lagartixa e António Silva, foram alguns dos ciclistas que representaram o GUS.
António Silva, era o eterno favorito nas provas em que participava, e esse estatuto, levou a Direcção do GUS a inscrevê-lo na V Volta a Portugal em Bicicleta.
Organizada pelos jornais de Lisboa, “Diário de Notícias” e “Os Sports”,  realizou-se em 1933 a V Volta a Portugal em Bicicleta, na qual o Grupo União Sport se fez representar unicamente pelo ciclista António Silva.
Como nos anos anteriores, a prova despertou em todo o país o maior entusiasmo, que dia a dia se foi acentuando com a aproximação do dia da partida.
Com a inscrição de António Silva, o esforçado ciclista do Grupo União Sport, Montemor-o-Novo ficou representado na prova.
Ficou, assim, satisfeita a curiosidade de todos os desportistas montemorenses, ao mesmo tempo que o Grupo União Sport, pôde reivindicar para si a honra de ver inscrito na prova o mais forte dos seus ciclistas.
Com a sua inscrição na “Volta”, o União não teve outro objectivo que não fosse o de alcançar o “baptismo” do seu representante nas grandes competições ciclistas, demonstrando ao mesmo tempo que a Província sabe compreender as grandes iniciativas desportivas, e está apta a participar nelas.
Devido a um lamentável percalço na etapa Faro – Évora, o representante do União Sport, foi eliminado da prova.
A notícia, como é natural, causou geral desânimo, pois que o representante do União, que havia já coberto com muita felicidade as duas primeiras etapas, vinha marcando nesta terceira uma boa posição.
Mas... a sorte não o quis continuar a acompanhar, e daí...
Estava já a pouca distância de Beja, contou António Silva, ao repórter da “Folha do Sul”:
Nessa altura comandava eu o segundo pelotão, onde vinham, Militão, João Francisco, A. Bernardo, Figueiredo, Narciso e outros.
A “Margarida”, que já na subida do Caldeirão tinha dado sinais de pouca resistência, fez-me a partida e... parte-se a poucos quilómetros de Beja.
Calcula lá o desespero...
A pouco e pouco, os componentes do segundo pelotão vêm passando e todos têm palavras de entusiasmo para o “pombo bravo”, nome porque era já conhecido entre a rapaziada...
E como conseguiu depois chegar a Évora?
Eu lhe conto... alguns minutos depois de me ver impossibilitado de seguir na “Margarida” passa A. Bernardo, que leva a notícia a um motociclista e foi este, por sua vez, que me trouxe a máquina do Eugénio Martins, que nessa altura tinha desistido.
É verdade: foi uma grande prova de camaradagem e de simpatia que recebi do valoroso ciclista do Campo de Ourique. O União na altura oportuna agradecerá, mas eu não posso deixar de não lhe pedir também que no seu jornal deixe bem vincado o meu profundo reconhecimento por tão elevada prova de camaradagem.
Depois, logo que me achei outra vez “montado” foi pedalar até mais não, e dentro em pouco começava a passar os últimos”.
Os 40 minutos que estive à espera começaram, assim, a ser compensados, mas já era tarde e quando cheguei a Évora tinha o “controle” acabado de fechar. E, foi assim que fui eliminado da prova.
No ano seguinte, António Silva participou no Porto – Lisboa, e classificou-se em 16.º lugar nesta importante prova  do ciclismo nacional.

 *em nome do progresso, leia-se construção da Avenida Gago Coutinho, em 1947 foi necessário cortar um pedaço da cabeceira do Estádio 1.º de Maio, junto ao muro do Cemitério. Esta redução, originou o desaparecimento do polidesportivo descoberto, e também da pista de atletismo/ciclismo.
           .
No próximo mês segue-se a VI e a XXXV Volta a Portugal em Bicicleta

Augusto Mesquita Julho/2019


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