À época ou à data como se não
houvesse ontem
De repente, com a época dos exames de 12º ano à porta e prestes a
darem-se os concursos de acesso ao Ensino Superior, as notícias não se limitam
às vagas disponíveis ou aos cursos com mais licenciados empregados, mas
espremem até ao pus o tema das desigualdades sociais na frequência das
instituições de ensino superior.
Não posso deixar
de pensar que isto se deve ao facto de o governo que caminha para o fim ter
sido da esquerda democrática, apoiado pela esquerda radical. A esquerda vive do
combate à desigualdade social como a direita vive do apelo à caridade
individual, poderíamos generalizar. Isto é sempre um exercício perigoso e
injusto, embora sirva para começos de conversas. Sim, porque depois haveria que
dizer que, com a esquerda radical, o fim dos pobres representaria o fim de uma
importante clientela e que, com os conservadores de direita, o fim das
desigualdades representaria um perigo para o acesso exclusivo a determinados
direitos elevados a mordomias.
Esta apreciação
propositadamente simplória serve para nivelar a perspectiva ao patamar da
novidade das não-notícias sobre cursos frequentados por gente da alta ou da
arraia-miúda. Porque nesse estudo, ou melhor, para sermos honestos, na
divulgação em massa para o público de alguns resultados desse estudo, não houve
luz sobre a evolução dos últimos 40 anos. Importava que fosse coisa feita à
época ou à data, como se não tivesse havido ontem. Como se viu, ouviu e leu em
canais abertos “a escolha de um curso superior, em detrimento de outro, é uma
repercussão das desigualdades sociais do país. (…) o acesso ao ensino superior
está longe de ser justo. (…) é a principal conclusão a que chega o estudo “a
equidade no acesso ao ensino superior”, promovido pela Fundação Belmiro de
Azevedo Edulog, com base em dois critérios: a qualificação dos pais e a
percentagem de alunos que recebem bolsas da ação social.” (TVI24).
Há muito, dos
meus quase 30 anos de ensino na Universidade de Évora, que assisto a grupos
maioritariamente constituídos por alunos que são ou a primeira ou, menos, a
segunda geração da família a frequentar uma Universidade. Há sempre o argumento
da interioridade e periferia da minha Universidade, mas quando relembro a minha
turma da outra minha Universidade na Avenida de Berna, não deixo de encontrar
tantas semelhanças… Cada vez mais me convenço que as desigualdades estão
actualmente muito mais à saída do que à entrada, que o abandono é muito mais
importante, e por isso imprescindível que seja vigiado, estudado e acompanhado.
No que me toca, é
com grande esperança que começo sempre um ano lectivo e o acabo a perceber o
quão difícil é fazer com que percebam que não chega dizer-se que “andam na
universidade”. É que o levo, ao ano, a dar conselhos ténues e pouco intrusivos,
do estilo “digo-vos o que diria aos meus filhos”, porque não quero ser nem
caridosa, nem “maternalista”, como nenhuma instituição democrática deve ser. E
eu acredito no papel da Universidade para ajudar a melhorar a Democracia. Às
vezes consegue-se por frequência, noutras tem de se ir a exame de recurso.
Noutras ainda há que repetir até lá chegarmos. Era importante era não desistir,
nem apregoar resultados de estudos que não servem para nada. Não os estudos,
claro, mas só aqueles resultados que são apregoados como quem repete inchado
que “já anda na universidade”. Não chega.
Até para a
semana.
CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
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