segunda-feira, 24 de junho de 2019

VASCULHAR O PASSADO - Augusto Mesquita

Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos ACONTECIMENTOS, pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros tempos
                  O homem sai da terra, mas a terra não sai do                                              homem:Romagem da Saudade
Obteve um êxito retumbante, bem superior ao que era legítimo esperar, a romagem que, no dia 1 de Março de 1959, a esta vila de Montemor-o-Novo fizeram mais de uma centena de montemorenses, há muito afastados da sua terra  mas a ela sempre ligados pelo coração.
A ideia partiu de Custódio do Carmo que recebeu de imediato o apoio dos seus conterrâneos radicados em Lisboa. “O Montemorense” fez-se representar pelo seu assíduo colaborador Senhor Luís Fragoso Amado. Da reportagem por ele efectuada, retirei as seguintes passagens:
Não fomos só nós que vibrámos intensamente com esta iniciativa, que tão altamente serviu os melhores interesses de Montemor e calou profundamente nos corações de todos os montemorenses, amigos da sua terra.
A grande imprensa de Lisboa deu também ao acontecimento o merecido relevo.
Salientamos a bela reportagem de “O Século”, em cujas páginas o nome de Montemor-o-Novo chegou também e mais uma vez a todos os recantos de Portugal, reportagem essa que aqui registamos para os nossos leitores:
“Sorrisos e lágrimas. Assim foi definida a romagem da saudade que mais deu uma centena de moços, todos eles sexagenários, efectuou ontem a Montemor-o-Novo para reviver no ambiente carinhoso da sua terra, os dias já distantes da infância – do bibe, da cartilha, do pião e da palmatória. Companheiros da escola primária e das escolas particulares da época, dispersos por todos os cantos do País, ali se reuniram para recordar tempos passados e para amargamente verificarem que o tempo é inexorável nos seus estragos – rugas, cabelos brancos, desilusões...
A romagem foi promovida por uma comissão de montemorenses residentes em Lisboa, os Senhores Dr. João Luís Ricardo, o nosso colega Leopoldo Nunes, Custódio do Carmo, Jaime Dias Ferreira, que naquela vila foi coadjuvada por outra comissão constituída pelos Senhores Engenheiro António Mexia da Costa Praça, Jerónimo de Almeida Faria, Dr. Romeu Coelho da Silva, António Salvador Romeiras da Costa, Tomé Adelino Vidigal e Horácio Cândido Macedo.
A concentração fez-se em Vendas Novas, ali se organizou um cortejo de automóveis, que foi recebido em Montemor-o-Novo, no Terreiro de S. João de Deus, pelas autoridades, filarmónicas, bombeiros com o seu estandarte, colectividades, populares e crianças. Por entre o estrelar de foguetes e morteiros, todos se encaminharam para a velha Escola Conde Ferreira, à entrada da qual foram recebidos pela Directora D. Florbela Matos Catela, que tocou a sineta a anunciar aos “meninos” e “meninas” que ia começar a aula. Na ardósia lia-se: “A Escola Conde Ferreira saúda com alegria os seus antigos alunos”. Assumiu a presidência o Director Escolar do Distrito, Senhor Aníbal Pereira, ladeado pela Directora, pelo Presidente da Câmara, Dr. José Nunes Vacas, e pelo antigo professor, Senhor Armando Andrade.
A cerimónia começou com a “chamada dos professores falecidos”, respondendo “Presente!” os que tinham sido seus alunos. Depois, uma pequena aluna, Vitória Augusta Pereira, saudou os antigos escolares, após o que a Senhora D. Francisca Rodrigues de Andrade, que foi das mais estimadas professoras daquela vila, deu início à aula.  A assistência aplaudiu e em alguns olhos viam-se lágrimas. Foi então chamado à lição o “aluno” Leopoldo Nunes.
Na sua lição o “aluno”Leopoldo Nunes evocou os professores e os condiscípulos falecidos – começou Leopoldo Nunes por saudar a terra onde tinha nascido e à qual se sentiam sempre mais vinculados pelo espírito e pelo coração. Lembrou as grandes figuras naturais de Montemor-o-Novo, o aprumo e o patriotismo do seu povo e pormenores honrosos da história da sua terra, cantando um hino às belezas daquele rincão do Alentejo habitado por um povo simples, um povo de altas qualidades espirituais e morais. Saudou o Presidente do Município, o Director Escolar, os professores e as colectividades locais pela brilhante recepção dispensada aos romeiros, e saudou também as várias gerações escolares que em Montemor-o-Novo se preparam para a vida e que estavam ali a manifestar a sua solidariedade, e dirigiu, ainda, saudações à imprensa e à televisão. Depois evocou, em termos expressivos, a sua vida escolar e dos seus companheiros, os tempos distantes da escola e das traquinices, as festas tradicionais a que todos concorriam e de que todos partilhavam, os livros então em voga - “Cartilha Maternal” e “Os Deveres dos Filhos” - clarões de beleza que o admirável espírito de João de Deus criou e até hoje se mostraram os mais úteis e eficientes para instrução e educação das crianças. Lembrou os nomes dos condiscípulos que caíram na Primeira Grande Guerra dos outros que a morte foi levando nos cinquenta anos decorridos; e mais os professores desaparecidos, para cada um dos quais teve um pormenor biográfico honroso, detendo-se especialmente na apreciação de António Justino Rodrigues de Andrade, que foi um grande pedagogo, homem de forte cultura e erudição e que ocupou naquela vila os cargos mais elevados. “Ele se ergue – disse – acima dos seus pares; e maior honra que podemos prestar à memória dos nossos falecidos e recordar com o mais profundo respeito, admiração, saudade e reconhecimento, essa nobilíssima figura de mestre e de cidadão”.
O orador fez de seguida algumas apreciações sobre o ensino actual, salientando a camaradagem franca de outros tempos, e concluiu: “Cada um de nós irá à sua vida, com melhores propósitos e pensamentos. Vamos mais fortes e dispostos a todos os sacrifícios e tarefas. Mas eu vejo – e que deliciosa visão é esta! - que vamos há cinquenta anos, de mãos dadas, cheias de ideal, como amigos, como irmãos. Os cabelos brancos lembram-nos que não será fácil outra reunião nesta mesma sala, porque as nossas existências se aproximam do fim. Mas o nosso espírito e a nossa alma dizem-nos que esta hora de tão alta beleza espiritual e moral continuará sempre em nós, para nos iluminar e esclarecer. Haverá no meio de tantas sombras que nos esperam, as claridades vivas e fortes da saudade. O que é, afinal, a saudade? É isto: sorrir e chorar ao mesmo tempo!”
Uma calorosa e prolongada salva de palmas coroou as palavras do velho aluno.
Para agradecer a homenagem à memória de seu pai falou o Senhor Armando Andrade, encerrando a sessão o Senhor Director Escolar do Distrito que se confessou emocionado, agradecendo as palavras de justiça e apreço dirigidas ao professorado primário.
O almoço de confraternização e a visita às instituições locais – A sineta anunciou o final da “aula” e todos se dirigiram para o “Monte Alentejano” onde foi servido o almoço. Lido o expediente, em que figuravam muitas cartas e telegramas, discursaram os Senhores Dr. João Luís Ricardo, que louvou o Senhor Custódio do Carmo por ter promovido aquele encontro; Custódio do Carmo, que elogiou a colaboração da comissão de Montemor e agradeceu a presença das autoridades e dos condiscípulos; António Salvador da Costa, Cipriano de Oliveira Barreto, Francisco Joaquim Batista, Dr. José Nunes Vacas, que fez votos para que todos continuassem a trabalhar por Montemor; e o Dr. Alfredo Maria Cunhal que fez a apologia da união de todos acima de qualquer credo político. No final foi cantado em coro o antigo “Hino da Árvore”.
No Cine Esplanada exibiu-se o Rancho Folclórico “Fazendeiros de Montemor-o-Novo”. Após a actuação do jovem agrupamento montemorense seguiram-se as visitas ao Quartel dos Bombeiros Voluntários, ao Abrigo dos Velhos Trabalhadores, onde foi homenageada a Directora, D. Maria Gertrudes de Almeida da Rosa, que conta 82 anos de idade, e que há quarenta, presta serviço na instituição; ao Asilo Montemorense de Infância Desvalida, ao Teatro Curvo Semedo, magnífica casa de espectáculos que será inaugurada dentro de meses; ao Lar dos Pequeninos, às sociedades recreativas, e, por último, ao prestimoso Hospital Infantil de S. João de Deus, onde os visitantes foram recebidos pelo subdirector, Irmão Ângelo da Silveira.
A romagem terminou com missa por alma dos condiscípulos, celebrada na Igreja Matriz pelo Padre António Lavajo Simões.

Augusto Mesquita
Junho/2019


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