O homem sai da terra, mas a
terra não sai do homem:Romagem da Saudade
Obteve um êxito retumbante, bem
superior ao que era legítimo esperar, a romagem que, no dia 1 de Março de 1959,
a esta vila de Montemor-o-Novo fizeram mais de uma centena de montemorenses, há
muito afastados da sua terra mas a ela
sempre ligados pelo coração.
A ideia partiu de Custódio do
Carmo que recebeu de imediato o apoio dos seus conterrâneos radicados em
Lisboa. “O Montemorense” fez-se representar pelo seu assíduo colaborador Senhor
Luís Fragoso Amado. Da reportagem por ele efectuada, retirei as seguintes
passagens:
Não fomos só nós que vibrámos
intensamente com esta iniciativa, que tão altamente serviu os melhores
interesses de Montemor e calou profundamente nos corações de todos os
montemorenses, amigos da sua terra.
A grande imprensa de Lisboa deu também ao acontecimento o
merecido relevo.
Salientamos a bela reportagem de
“O Século”, em cujas páginas o nome de Montemor-o-Novo chegou também e mais uma
vez a todos os recantos de Portugal, reportagem essa que aqui registamos para
os nossos leitores:
“Sorrisos e lágrimas. Assim foi
definida a romagem da saudade que mais deu uma centena de moços, todos eles
sexagenários, efectuou ontem a Montemor-o-Novo para reviver no ambiente
carinhoso da sua terra, os dias já distantes da infância – do bibe, da cartilha,
do pião e da palmatória. Companheiros da escola primária e das escolas
particulares da época, dispersos por todos os cantos do País, ali se reuniram
para recordar tempos passados e para amargamente verificarem que o tempo é
inexorável nos seus estragos – rugas, cabelos brancos, desilusões...
A romagem foi promovida por uma
comissão de montemorenses residentes em Lisboa, os Senhores Dr. João Luís
Ricardo, o nosso colega Leopoldo Nunes, Custódio do Carmo, Jaime Dias Ferreira,
que naquela vila foi coadjuvada por outra comissão constituída pelos Senhores
Engenheiro António Mexia da Costa Praça, Jerónimo de Almeida Faria, Dr. Romeu
Coelho da Silva, António Salvador Romeiras da Costa, Tomé Adelino Vidigal e
Horácio Cândido Macedo.
A concentração fez-se em Vendas
Novas, ali se organizou um cortejo de automóveis, que foi recebido em
Montemor-o-Novo, no Terreiro de S. João de Deus, pelas autoridades,
filarmónicas, bombeiros com o seu estandarte, colectividades, populares e
crianças. Por entre o estrelar de foguetes e morteiros, todos se encaminharam
para a velha Escola Conde Ferreira, à entrada da qual foram recebidos pela
Directora D. Florbela Matos Catela, que tocou a sineta a anunciar aos “meninos”
e “meninas” que ia começar a aula. Na ardósia lia-se: “A Escola Conde Ferreira
saúda com alegria os seus antigos alunos”. Assumiu a presidência o Director
Escolar do Distrito, Senhor Aníbal Pereira, ladeado pela Directora, pelo
Presidente da Câmara, Dr. José Nunes Vacas, e pelo antigo professor, Senhor
Armando Andrade.
A cerimónia começou com a “chamada
dos professores falecidos”, respondendo “Presente!” os que tinham sido seus
alunos. Depois, uma pequena aluna, Vitória Augusta Pereira, saudou os antigos
escolares, após o que a Senhora D. Francisca Rodrigues de Andrade, que foi das
mais estimadas professoras daquela vila, deu início à aula. A assistência aplaudiu e em alguns olhos
viam-se lágrimas. Foi então chamado à lição o “aluno” Leopoldo Nunes.
Na sua lição o “aluno”Leopoldo
Nunes evocou os professores e os condiscípulos falecidos – começou Leopoldo
Nunes por saudar a terra onde tinha nascido e à qual se sentiam sempre mais
vinculados pelo espírito e pelo coração. Lembrou as grandes figuras naturais de
Montemor-o-Novo, o aprumo e o patriotismo do seu povo e pormenores honrosos da
história da sua terra, cantando um hino às belezas daquele rincão do Alentejo
habitado por um povo simples, um povo de altas qualidades espirituais e morais.
Saudou o Presidente do Município, o Director Escolar, os professores e as
colectividades locais pela brilhante recepção dispensada aos romeiros, e saudou
também as várias gerações escolares que em Montemor-o-Novo se preparam para a
vida e que estavam ali a manifestar a sua solidariedade, e dirigiu, ainda,
saudações à imprensa e à televisão. Depois evocou, em termos expressivos, a sua
vida escolar e dos seus companheiros, os tempos distantes da escola e das
traquinices, as festas tradicionais a que todos concorriam e de que todos
partilhavam, os livros então em voga - “Cartilha Maternal” e “Os Deveres dos
Filhos” - clarões de beleza que o admirável espírito de João de Deus criou e
até hoje se mostraram os mais úteis e eficientes para instrução e educação das
crianças. Lembrou os nomes dos condiscípulos que caíram na Primeira Grande
Guerra dos outros que a morte foi levando nos cinquenta anos decorridos; e mais
os professores desaparecidos, para cada um dos quais teve um pormenor
biográfico honroso, detendo-se especialmente na apreciação de António Justino
Rodrigues de Andrade, que foi um grande pedagogo, homem de forte cultura e
erudição e que ocupou naquela vila os cargos mais elevados. “Ele se ergue –
disse – acima dos seus pares; e maior honra que podemos prestar à memória dos
nossos falecidos e recordar com o mais profundo respeito, admiração, saudade e
reconhecimento, essa nobilíssima figura de mestre e de cidadão”.
O orador fez de seguida algumas
apreciações sobre o ensino actual, salientando a camaradagem franca de outros
tempos, e concluiu: “Cada um de nós irá à sua vida, com melhores propósitos e
pensamentos. Vamos mais fortes e dispostos a todos os sacrifícios e tarefas.
Mas eu vejo – e que deliciosa visão é esta! - que vamos há cinquenta anos, de
mãos dadas, cheias de ideal, como amigos, como irmãos. Os cabelos brancos
lembram-nos que não será fácil outra reunião nesta mesma sala, porque as nossas
existências se aproximam do fim. Mas o nosso espírito e a nossa alma dizem-nos
que esta hora de tão alta beleza espiritual e moral continuará sempre em nós,
para nos iluminar e esclarecer. Haverá no meio de tantas sombras que nos
esperam, as claridades vivas e fortes da saudade. O que é, afinal, a saudade? É
isto: sorrir e chorar ao mesmo tempo!”
Uma calorosa e prolongada salva de palmas coroou as palavras
do velho aluno.
Para agradecer a homenagem à
memória de seu pai falou o Senhor Armando Andrade, encerrando a sessão o Senhor
Director Escolar do Distrito que se confessou emocionado, agradecendo as
palavras de justiça e apreço dirigidas ao professorado primário.
O almoço de confraternização e a
visita às instituições locais – A sineta anunciou o final da “aula” e todos se
dirigiram para o “Monte Alentejano” onde foi servido o almoço. Lido o
expediente, em que figuravam muitas cartas e telegramas, discursaram os
Senhores Dr. João Luís Ricardo, que louvou o Senhor Custódio do Carmo por ter
promovido aquele encontro; Custódio do Carmo, que elogiou a colaboração da
comissão de Montemor e agradeceu a presença das autoridades e dos
condiscípulos; António Salvador da Costa, Cipriano de Oliveira Barreto,
Francisco Joaquim Batista, Dr. José Nunes Vacas, que fez votos para que todos
continuassem a trabalhar por Montemor; e o Dr. Alfredo Maria Cunhal que fez a
apologia da união de todos acima de qualquer credo político. No final foi
cantado em coro o antigo “Hino da Árvore”.
No Cine Esplanada exibiu-se o
Rancho Folclórico “Fazendeiros de Montemor-o-Novo”. Após a actuação do jovem
agrupamento montemorense seguiram-se as visitas ao Quartel dos Bombeiros
Voluntários, ao Abrigo dos Velhos Trabalhadores, onde foi homenageada a
Directora, D. Maria Gertrudes de Almeida da Rosa, que conta 82 anos de idade, e
que há quarenta, presta serviço na instituição; ao Asilo Montemorense de
Infância Desvalida, ao Teatro Curvo Semedo, magnífica casa de espectáculos que
será inaugurada dentro de meses; ao Lar dos Pequeninos, às sociedades
recreativas, e, por último, ao prestimoso Hospital Infantil de S. João de Deus,
onde os visitantes foram recebidos pelo subdirector, Irmão Ângelo da Silveira.
A romagem terminou com missa por
alma dos condiscípulos, celebrada na Igreja Matriz pelo Padre António Lavajo
Simões.
Augusto Mesquita
Junho/2019
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