Morreu Vitor Rubira, antigo jogador do
Grupo União Sport e um dos mais talentosos “violinos” da equipa de outras
épocas.
O falecimento do Rubira fez soar os apitos
da nossa memória desportiva. Desapareceu mais um dos muitos atletas que
deixaram tudo em capo a troco de nada ou quase nada.
Assistimos, há dias, ao seu funeral, que
nos tocou de um modo muito particular. Sem as grandes multidões de outros
tempos a aplaudi-lo, impressionou-nos a lenta e sentida caminhada das pessoas
que o acompanhavam, o ritmo ronceiro do carro funerário a caminho de S.
Francisco. Tudo a contrastar com a velocidade e a finta fácil do craque
unionista.
Não estamos sós neste exercício de memória,
pois há outras referências escritas acerca do velho médio-ala do União de
Montemor. Ainda há poucos dias tínhamos estado a ler um texto cheio de
fantasias e bem-humorado, da autoria do nosso saudoso amigo e escritor João
Carlos Alfacinha (Alface), que diz assim:
“E aos Domingos, jogo do (U-ni-ão-U-ni-ão) com Rubira feito seta
apontada à baliza adversária e o espanholito Vinueza, este florentino do
castigo máximo. Ou o Pascoal, o Quim, o Gatinho, o Frazão, que nos
cumprimentavam na rua, a caminho de uns torresmos e passarinhos fritos no
Daniel Voltinhas.”
O texto do Alface veio espicaçar, ainda mais,
a vontade que sentimos de deixar aqui uma palavra sobre o carpinteiro que
também sabia jogar à bola. Arrependemo-nos de não nos termos sentado, em devido
tempo, á mesa do Café Almansor, para meter conversa com o amigo Rubira. A idéia
andou a pairar no nosso espírito durante alguns meses. Desafortunadamente, não
passou de intenção.
Na impossibilidade de o ouvirmos, decidimos
ir à procura de um ou outro atleta sensivelmente da mesma geração que nos
ajudasse a revisitar alguns episódios futebolísticos, cinco ou seis décadas
atrás. Por arrastamento, acabámos por mergulhar, inesperadamente, em campos
mais recônditos da memória. Estivemos em casa do José Luís Barreiros (o Zé
Lisboa), um dos guarda-redes montemorenses que marcaram parte da nossa infância
e adolescência.
O pai, Luís Lisboa, foi antigo fiscal da Câmara e, quanto à
mãe, quase não há montemorense da nossa geração que não tenha conhecido a
contínua Maria Rosa. O amigo Barreiros não esconde o seu passado casapiano. Foi
na Casa Pia de Portalegre que começou a dar nas vistas pela sua agilidade, pela
capacidade de elevação, pela sua coragem. Foram estes alguns dos predicados que
fizeram dele o guarda-redes que conhecemos, amigo de sair dos postes, sem medo.
Aconteceu algumas vezes, deixar a baliza deserta, à mercê do aproveitamento
adversário.
O jovem keeper veio da cidade de Portalegre
para Montemor aos dezoito anos, para jogar no União e trabalhar. Só a bola não
garantia o sustento. Trabalhou na estação da Mobile, a lavar carros e a
desempenhar outras tarefas próprias do serviço.
O Zé Lisboa veio engrossar a galeria de
grandes guarda-redes que passaram pela equipa alvoe negra: O Manuel Joaquim, o
José Luís Velhinha, o André e outros que os antecederam ou lhes sucederam.
Falámos dos treinadores que marcaram a sua
vida desportiva em Montemor, em especial do João Gonçalves e do espanhol Miguel
Vinueza.
Contou-nos o Lisboa que a insistências do amigo
Chico Albardeiro, que lhe garantiu trabalho na Base Aérea de Lages e um lugar
na equipa do Angrense, fizeram com que ele rumasse até aos Açores, onde alinhou
no team de Angra do Heroísmo. Foram momentos inesquecíveis os que ali viveu,
tendo defrontado a equipa do Benfica, campeã europeia.
Teve na sua frente, a
pô-lo à prova, o goleador José Águas e outros enormes jogadores como Mário
Coluna, Santana, Cavém…
A aventura atlântica não se limitou aos
Açores. Das brumosas ilhas açorianas, o guarda-redes montemorense voou até à
ilha da Madeira, onde jogou duas épocas no Marítimo. Mais tarde o irmão
acenou-lhe com a possibilidade de ir trabalhar para a Alemanha. Também ali, a
par do trabalho, decidiu não descalçar as luvas, tendo participado em vários
torneios de futebol.
Depois destas gloriosas recordações,
voltamos a Montemor, ao ambiente que se respirava no Estádio 1º de Maio.
Choveram lembranças acerca das equipas adversárias, algumas delas ossos bem
duros de roer: Portimonense, Farense, Olhanense, Juventude de Évora,
Portalegrense, Oriental, Atlético…
Foram tema de conversa os treinos duros em
terá batida, muitas vezes enlameados, e também as pesadíssimas bolas de couro,
cosidas e remendadas pelo amigo Rita. O couro ensopado “dava cabo das mãos de
um gajo” e obrigava alguns a usar ligaduras na cabeça. Relembrámos os pontapés
longos que pregavam frequentemente com o esférico na avenida, no rossio ou no
forrageal atrás do peão assim como as provocações daqueles que se punham atrás
da baliza para desorientarem o keeper unionista. A resposta do Lisboa não se
fazia esperar: “Lá fora conversamos!”.
Á distância de tantos anos, saltaram cá
para fora, como se fosse hoje, os gritos entusiásticos dos adeptos e o
gesticular nervoso do amigo Serafim Caldeira, fervoroso adepto unionista, que
acompanhava, de uma ponta à outra da bancada, as jogadas dos alvi-negros.
Não focou também esquecido o zelo com que
os guardas do campo (Gastão e Joaquim) tratavam o terreno de jogo e o trabalho
empenhado de todos aqueles que contribuíram para o sucesso da equipa.
Por fim a conversa foi desembocar na
Ruinha, imagine-se, onde o Zé Lisboa viveu uma parte da sua existência, paredes
meias com a família Rubira. Exceptuando as extremidades da rua, habitada por
famílias abastadas, a Ruinha era um viveiro do operariado, de gente ligada às
mais diversas profissões: canalizadores, carpinteiros, calceteiros. Pedreiros,
sapateiros, jardineiros… Também algumas das melhores costureiras da vila.
Coincidência das coincidências, o Zé Lisboa
morou num primeiro andar antes habitado por Zulmira Carapinha e Francisco
Elias, nossos tios de eleição. O tio Elias foi talhante na casa Felício. Foi
ele que nos levou pela primeira vez, a ver o matadouro municipal, no rosssio,
para assistirmos ao abate dos animais. A matança dos porcos era, para nós, uma
espécie de descida aos infernos; o grunhido ensurdecedor dos suínos, os
caldeirões da água a ferver, o sangue a jorrar…
Foi também ele que aproveitando-se da
ingenuidade dos nossos quatro ou cinco anos, quis convencer-nos de que plantar
patas de perú no quintal dava direito à multiplicação da espécie. Coitadinho de
quem é pequenino!
Bem vai sendo altura de fazer soar o apito
final nestas nossas Memórias Curtas.
Começámos, pesarosos, a falar do Vitor
Rubira e acabámos numa curiosa e bem disposta cavaqueira com o Zé Lisboa. Numa
próxima oportunidade, serão outros que alinharão neste desafio.
Considerem-se envolvidos no nosso exercício
de memória todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, ajudaram a engrandecer
o Grupo União Sport.
Até um dia destes
Vitor Guita.
In
Montemorense Maio 2019 – Transcrição autorizada pelo Autor
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