EDUARDO LUCIANO
Os neo coisos
A minha prima Zulmira é uma mulher muito atenta às ondas da moda e
aos surfistas de todas as ocasiões e por isso está agora desperta para a defesa
do planeta que, como se sabe, é coisa que não mete política nem futebol
aparecendo como garantia da bondade de quem descobriu a semana passada que só
existe uma casa comum e não há para onde fugir.
A Zulmira
conseguiu desenhar a nova agenda do seu vizinho Marco, rapaz de 40 anos com um
filho pré-adolescente, a partir da sua participação nas redes sociais, nos
panfletos que deixa ficar ocasionalmente nas caixas do correio, das vezes que
se cruzam no hipermercado e de uma ou outra troca de palavras quando se cruzam
na escada do prédio que habitam.
Todos os dias o
Marco leva o seu menino até à porta da escola no seu carro de gama média, não
prescindindo, obviamente, da climatização artificial que garante que o rapaz
não se constipa nem derrete com o calor.
Activo como é, o vizinho
da minha Zulmira participa na associação de pais onde luta denodadamente pela
instalação de ar condicionado em todas as salas de aula e pelo abate de tudo o
que se pareça com uma árvore nos espaços livres da escola, por causa das
alergias que são cada vez mais, afirma cheio de segurança, por causa das
alterações climáticas.
Porque é preciso
acautelar o futuro e os miúdos estão cada vez mais sedentários, inscreveu o
rapazola no judo para onde o transporta três vezes por semana na sua viatura
até à porta do pavilhão (diz a minha prima que não o leva à porta do balneário
porque o arquitecto que desenhou o pavilhão não tinha filhos e fez os
corredores de acesso muito estreitos).
Num dos dias da
semana o Marco, que também é activista numa recém-criada associação
ambientalista, voluntaria-se para apanhar beatas na praça central para
demonstrar que se não formos nós a tratar do ambiente ainda damos cabo disto
tudo.
A mulher do
Marco, a Heidi, alinha neste empenho através da distribuição de restos de
comida aos pobrezinhos porque, diz ela, temos de acabar com os desperdícios e
poupar recursos para deixarmos um planeta melhor aos nossos filhos. Deduz a
Zulmira que a senhora estará a pensar num planeta onde os pobrezinhos continuem
a comer os restos dos menos pobres.
Há umas semanas o
casal Marco e Heidi ficaram orgulhosos porque o seu rebento foi participar numa
manifestação em defesa do planeta e até levou um cartaz que dizia “não queremos
mais poluição”.
Perante tamanho
empenho na causa, a minha prima Zulmira perguntou ao casal o que pensava sobre
este modo de produção predador de recursos naturais e multiplicador de pobreza
e assente na maximização do lucro.
Enquanto subia a
escada com o saco de alface pré-lavada e embalada a vácuo num bonito saco de
plástico, sorriu e com o ar de quem fala para quem não percebe nada de
modernidade, atirou: oh vizinha, isso é política e eu sou ambientalista, porque
os políticos são todos iguais.
Até para a semana
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