quinta-feira, 13 de junho de 2019

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


EDUARDO LUCIANO
        Precisamos de mais imprescindíveis
Como já vos tenho dito, há momentos em que afunilo a utilização deste espaço para contar histórias pessoais que acabam por reflectir um pouco do que sou, fugindo ao que represento.
Estávamos em 1983, a 2 de Dezembro, e eu era um jovem adulto perdido entre um trabalho onde me sentia valorizado, uma militância particularmente activa e um resto de vida com pouco sentido.
Nesse dia saí da editora, junto ao Campo Santana, vagueei por Lisboa com aquele ar perdido que costumava usar e que ainda uso nalguns dias, aproximando-me do Parque Eduardo VII onde ia acontecer um dos momentos mais memoráveis da minha vida.
Confesso que não sabia bem ao que ia e levava apenas a expectativa de assistir a qualquer coisa de único. Um concerto de Pete Seeger.
O velhinho Pavilhão dos Desportos estava cheio como um ovo e havia no ar uma expectativa enorme para ver aparecer um mito da música popular americana, um homem que construiu um caminho contra a corrente, sempre do lado dos explorados e oprimidos.
Quando começou o espectáculo rapidamente percebi porque me tinham dito que tinha de lá estar. As canções e as explicações do Pete Seeger transformavam o que poderia ser um espectáculo, num documento vivo e emocionante.
Foi ao som de We Shall Overcome entoado em coro por milhares de pessoas, algumas de lágrimas nos olhos, que me espantei e emocionei e que desejei que aquela noite nunca acabasse.
Ali eramos invencíveis e fazia sentido afirmar “we are not afraid” porque todos, soubéssemos ou não inglês, sabíamos que estávamos a desafiar o opressor dizendo que no fundo do coração tínhamos a certeza de vencer.
Naquela noite fiquei a saber melhor que mesmo lá no centro do império havia dos nossos, dos que olham para além das amarras.
Aquele espectáculo foi organizado por uma comissão de luxo, António Macedo, Daniel Ricardo, João Paulo Guerra, José Barata Moura, José Jorge Letria e Sérgio Godinho, liderada por um homem que morreu esta semana: Ruben de Carvalho.
Já perceberam porque é tão pessoal esta crónica. Porque sem o Ruben não teria havido Pete Seeger em Lisboa naquela noite. E sem o Pete Seeger daquela noite, provavelmente eu não teria aprendido que era possível conjugar firmeza ideológica com o arrepio da pele e as lágrimas nos olhos.
Obrigado Ruben. Precisamos de mais gente como tu, urgentemente. Mais gente culta, com sentido de humor, sem preconceitos e capaz de entender a essência das coisas para as transformar.
Precisamos urgentemente de mais imprescindíveis.
Até para a semana



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