Fernão
Mendes Pinto, ou quando, uma vez na China, inçou de chatos ou permitiu que o
amigo Cristóvão inçasse a Corte Celeste, na florida cidade de Xangai.
E
como uns espanhóis malucos quiseram, quase quinhentos anos depois, fazer
daquelas tristes cenas, um filme.
E
naquele lugar estava aquele velho, sentado numa velha cadeira, no adro duma
velha igreja, tossicando uma tosse já muito velha e seca, enquanto enchia o
fornilho de um velho cachimbo com rama de tabaco também já muito seco e velho.
Ao lugar chamavam-lhe o Sítio do Pragal – séculos mais tarde,
naquele preciso adro, haviam de erguer um monumento a Cristo-Rei, que do cimo
de uma enorme peanha ficaria a olhar o rio Tejo e a cidade de Lisboa.
Ora esse
velho não era outro senão o nosso mui admirado e fidelíssimo cronista, Fernão
Mendes Pinto. Estava nesse ano de 1585 – não o sabendo ele, embora
o suspeitasse, devido às febres, aos calafrios e aos suores que durante dias e
noites o atormentavam – a poucos meses da sua morte. Mirava, lá do alto do seu
promontório, o movimento dos navios no porto de Lisboa, que indo e vindo,
atracando e zarpando, o enchiam e deixavam com saudades dos tempos em que andara
embarcado lá pelos orientes mais orientais que se possam imaginar. Nesse
preciso Ano do Senhor de 1585, já os Filipes de Castela –Malditos sejam ao
Habsburgo e a Casa de Áustria – reinavam em Portugal há cinco anos,
depois das desventuras de D. Sebastião & Companhia em Alcácer-Quibir, aonde
os alaudes eram mais do que as lanças. Todo aquele movimento lhe trazia à
lembrança antigas aventuras, como numa especial ocasião, naquela grande cidade
que era Xangai, reinando, na época em Portugal, El Rei D. Manuel, chamado o
Venturoso. “Foi durante a época imperial da dinastia Ming, quando a China era
conhecida em todo o Oriente por Império do Meio. Ali chegara acompanhado por
Cristóvão Borralho e Diogo Zeimoto. Tinham acabado de fugir das Ilhas do Grande
Nippon, mas voltaram a ser presos em Macau e, novamente escravizados, foram
postos em hasta pública. Não havendo comprador, pois estavam magros que nem
cães sarnentos, o dono da altura, um chinês empresário de bordéis, pô-los a
trabalhar no seu próprio negócio pois todos eram entendidos em letras e
números. E sendo todos três clientes do negócio do dono, fácil será imaginar o
alvoroço que se armou entre as damas dos bordéis. Finalmente lá foram
resgatados – comprados, mais propriamente – por uma Missão de Padres Jesuítas
que tinham como principal encargo, não só evangelizar os gentios, como também
acabar com o pecado na cidade. Deixados à vontade, fugiram no dia seguinte, e
foi na condição de foragidos que chegaram a Xangai.
Vinham disfarçados de
Padres Jesuítas. Xangai, como todos sabemos, sempre foi a mais ocidentalizada
das cidades chinesas. Era ali que o Império do Meio tinha a sua capital de
Verão. E era ali à beira mar que nos meses de calor estava instalada a Celeste
Corte. Isto é, quando aqueles três ali chegaram, a cidade fervilhava de
movimento, intrigas e dinheiro.
Os hábitos negros que envergavam, próprios dos
Jesuítas, destacavam-se no colorido da China. Foram muito bem recebidos, e em
certos meios mais restritos, passado que foi pouco tempo, foram até considerados
homens de grande saber e avaliados como grandes filósofos. O que ninguém previu
foi a relação que imediatamente o Cristóvão Borralho iniciou com uma beldade
local. Essa beldade era, nada mais nada menos, que a segunda concubina de um
poderoso mandarim, muito próximo do imperador. Ora numa relação dessa natureza,
aconteceu o que era inevitável: o Cristóvão passou-lhe a camada de chatos que
já trazia de Macau. Ela, por sua vez, passou-a ao mandarim. O mandarim passou-a
às outras concubinas. E depois foi tudo em cadeia. Alguém, por ali, andava
dando o que não devia dar, e parece que até o Imperador já andava numa
desvairada coçadura.
Enfim, todos se coçavam na corte, homens e mulheres, e
sempre no mesmo sítio: na zona pélvica de entre pernas, sendo nesses recôncavos
íntimos que aqueles microscópicos parasitas, pegadiços e impertinentes se
instalaram com armas e bagagens, e não havendo pó ou borrifo que os fizesse
mortais. Descoberto o mariola que tal praga trouxera para a cidade, a justiça
imperial prendeu e condenou os três pela mesma bitola. Sentença: masmorra e pão
e água. Fim
PS
– Estamos perfeitamente conscientes que a história não pode ter acabado
assim, mas foi desta forma que nos chegou e não a queremos alterar. Não somos
como o Fernão Mendes Pinto.
Rufino
Casablanca – Monte do Meio – 1966
Quase
quinhentos anos depois da data em que se deram os factos acima relatados,
apareceram uns espanhóis a querer adaptar para cinema todas aquelas tretas.
Pois sim, meus senhores, desde que paguem. E pagaram. Pagaram bem, até. E lá
fizeram um filme ainda pior que o anterior. Mudaram toda a história para a
América Latina e transformaram os três amigos em conquistadores aventureiros.
Mas
desta vez já não nos apanharam desprevenidos. Tínhamos ficado curados com a
lição anterior.
RC
1 comentário:
OBS.
Se a primeira parte desta Trilogia em que o narrador já era um tal Fernão
Mendes Pinto, de Almada, (nos) pareceu aqui e mais além "algo desnivelada"
(foi isso que dissemos) diremos, desta vez, que esta ultima parte «está
excelente e de muito boa e criativa feitura e leitura». Tanto mais que não
há,ainda hoje, e pelos nossos lugares muitos portugueses que
tenham escapado aos Chatos... Era uma constante das viagens que sempre
acompanhou os portugueses (e as portuguesas que eram metidas à força nas
embarcações para fornicar) onde quer que o Amor se abrisse em chamas, em
fogo,em altas ondas ou,claro, em chatas coçaduras nas partes + baixas. O
equivalente aos piolhos embarcadiços dos cocurutos que também se contavam
em doses avultadas .Chatos e piolhos eis uma componente dos "heróis do
mar/nobre povo".
Acrescentaremos somente que, ainda hoje, quando lhe convém, a China vai
mantendo a designação "geopolitica" de Império do Meio. Um império que
abdicou ( e errou por isso e por falta de Mar) mas anda por estes nossos
tempos em reconstrução das várias Rotas. A Rota da Seda,no entanto, será
aquela que tem mais sabor e conteve grandes condimentos históricos.
Para finalizar, se bem que estejamos com um olho nas datas, será que
Fernão Mendes Pinto mesmo arrevesando um bocado todos os seus
feitos andou também por Malaca,Goa, Damão e Diu quando por lá havia
(e se não havia, a narrativa história pode sempre ir reinventando que
Havia) mais alandroalenses além da semeada estirpe dos Sequeiras e
dos Albuquerques?
É esta a questão humilde que aqui deixamos. Podemos contar com uma
superior resposta?
Saudações ao RC
ANBerbem
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