Lendas
e narrativas Orientais (ou portuguesas?) transpostas para a Sétima Arte com
liberdade
artística.
(ou
como o Fernão, o Cristóvão e o Diogo escaparam da castração num ignoto
arquipélago do Japão)
O
Fernão, o Cristóvão e o Diogo, não são um Fernão, um Cristóvão ou um Diogo
quaisquer.
O
Fernão é Fernão Mendes Pinto.
O
Cristóvão é o Cristóvão Borralho.
E
o Diogo é o Diogo Zeimoto.
Todos
eles foram ilustres portugueses que demandaram mares Orientais lá pelos idos de
quinhentos e por lá pintaram a manta, aliás, várias mantas, entre as quais se
conta o facto de terem deixado um grande rasto de mestiços euro/asiáticos e que
por essas indignas cenas terem escandalizado primeiro, e depois apiedado, um
futuro Santo.
Todos
eles produziram grandes escritos e outras obras de grande primor artístico, mas
lamentavelmente nenhum deixou para a posteridade aquela parte em que estiveram
quase a ser capados.
Apenas
escaparam à castração porque lhes valeu a intervenção de um padre jesuíta que,
afinal, e como mais tarde se verificou, os tinha no sítio.
Porque
eles não se atreveram a deixar testemunho da cena, aqui fica o relato dos
acontecidos:
Quando
os três acima referidos estavam presos por vadiagem – ou algo semelhante – ali
pelo Estreito de Malaca, numa prisão do Reino do Sião, conseguiram fugir e
embarcar num junco chinês que zarpava para um Oriente, ainda mais oriental, nessa
mesma noite.
Bem
enganados estavam, pois o capitão do junco, um chinês sem vergonha, ao passar
por aquela cidade que é hoje de Hô-Chi-Minh, e que nessa época tinha outro
nome, vendeu-os como escravos a um japonês que, por sua vez, os embarcou para o
Império do Sol Nascente.
Ora
esse japonês era um grande magnata da guerra que tinha como base territorial um
arquipélago a sul da Ilha Grande do Nippon.
Era
um grande senhor da guerra, com grandes exércitos, muito poder, muitos
súbditos, muitas mulheres e filhos e, sobretudo, filhas.
Calhou
bem porque o trabalho doméstico era muito e aqueles três ajeitavam-se bem na
cozinha e na arrumação dos quartos daquela enorme família.
Pouco
tempo passou até as japonesinhas, filhas do magnata, começarem a mostrar-se com
a barriga a crescer.
Foi
só por essa altura que esse mesmo magnata se apercebeu do trabalho nocturno que
os três escravos tinham vindo a desenvolver.
E
a sentença foi lavrada mesmo sem julgamento: “capar aqueles três
sacanas”
É
então que aparece o tal padre jesuíta. Chamava-se Francisco Xavier.
Desembarcara de um grande navio, acompanhado de outras gentes estranhas,
vestidas com grandes labitas negras e vinha evangelizar os gentios daquelas
ilhas.
Vinha
trazer a terras do oriente a Luz da Santa Fé Católica Apostólica Romana.
E
conseguiu. Pelo menos em parte.
O
primeiro a converter-se foi o magnata, logo seguido da restante família.
Os
três escravos, embora a custo, e depois do tal padre muito parlamentar com o
magnata, foram perdoados, e os seus filhos, que entretanto tinham nascido, já
foram baptizados como bons cristãos.
E
lá escaparam à capação, mas assim que tiveram oportunidade fugiram daquelas
ilhas.
“Nunca
fiando”, diziam para se
confortarem com o facto de serem ingratos e mal agradecidos. Sobretudo em relação
ao tal padre.
O
Fernão Mendes Pinto, como todos sabem, tornou-se escritor de muito êxito, sendo
a “Peregrinação” o seu principal livro, ainda hoje um best-seller, bastas vezes
editado ao longo dos séculos e de forma repetida.
O
Cristóvão Borralho regressou a Lisboa e além de poeta brejeiro, deixou escrita
muita obra de cordel que ainda hoje atrai muitas donzelas sedentas de aventura
e romantismo, à Feira do Relógio, aonde existe uma barraca de feirante
alfarrabista especializada nesse tipo de literatura. Além disso, fez-se artesão
de sombrinhas japonesas que vendia às damas da corte e da melhor sociedade da
capital que, aliás, o estimavam muito, dizendo-se à boca pequena que ainda por
lá encheu algumas barrigas. Como se vê, era um tipo sem emenda, este tal
Cristóvão Borralho. Morreu de velho, rodeado de filhos e netos e até a rainha
se fez representar no funeral.
O
Diogo Zeimoto, foi o que teve mais azar: no regresso a Lisboa, a caravela em
que viajava, naufragou junto às costas orientais africanas – ali por aonde é
hoje a Etiópia, mais ou menos – e aonde uma tribo de negros canibais o apanhou,
e que depois de o cozer em lume brando, temperado com especiarias várias, se
deleitou, comendo-o. Salvou-se a sua obra, que consistia em dentes de marfim trabalhado
à mão, graças ao abnegado esforço de um marinheiro audaz que, chegado a Lisboa,
a entregou ao Rei, seu Senhor, Essas obras fazem hoje parte do acervo do Museu
de Arte Antiga.
E
o Padre Jesuíta, aquele que em última instância os salvou da capação, como é
claro e há muito sabido, resultou em São Francisco Xavier.
Esta
narrativa é o resultado de bastas pesquisas que este esforçado escriba fez na
Torre do Tombo e noutras bibliotecas de igual prestígio, assim como em muitas
instituições japonesas de muita honra e dignidade histórica, para já não falar
nos arquivos do Vaticano, cujos chefes, a muito custo e depois de muitas cunhas
e empenhos, lá deixaram vasculhar aquilo que dizia respeito a São Francisco
Xavier, o Apóstolo do Oriente
Valeu-nos
nestes apuros e em último caso, a vontade e o interesse em esclarecer a verdade
histórica, de Sua Santidade o Papa João Paulo ll, a quem, em devido tempo e com
o devido respeito, mostrámos este manuscrito, tendo, enfim, colhido a sua
aprovação, após algumas emendas que ele julgou necessárias e inevitáveis.
Rufino
Casablanca
Terena
– Monte do Meio – Maio de 1999
Pois
bem (e aqui é que entra o cinema)
Cerca
de 450 anos depois da época a que reporta a narrativa anterior, recebeu o autor
uma missiva – assim mesmo, à moda antiga, uma carta em papel
– com remetente de Los Angeles, Califórnia, em que se perguntava se
era possível utilizar o trabalho – depois de devidamente adaptado, é
claro – para a realização de um filme em que determinado produtor de cinema
estava interessado.
Respondido
que sim, que havia interesse na adaptação da narrativa, seguiu-se o que nestes
casos é usual: nomeados os advogados das duas partes, estabeleceu-se um
contrato a que todos ficaram obrigados.
Devemos
confessar que da parte do autor destas linhas, o contrato foi lido muito à
pressa, em diagonal, pode dizer-se, tanto mais que o cheque, com aqueles
milhares de dólares já estava em cima da mesa, milhares de dólares esses que
estavam a fazer falta noutros sítios, pois como é sabido, o dinheiro nunca
abundou por estes lados.
E
agora o filme (rapidamente
porque não nos queremos demorar muito por aqui)
Título
Original: “Saburu Contu”
Título
Português: “Os Contos da Lua Cheia”
Ano
de Produção: 1988
Idioma:
Inglês – (inevitavelmente). Com um protesto do autor que pretendia que a fita
fosse falada em português e japonês.
Enfim
lá se fez um filme que pouco tem a ver com a verdade dos factos. Os
argumentistas – gente completamente estranha à cultura portuguesa/orientalista
– trataram o texto inicial de tal forma que o transformaram numa coboiada à
japonesa. Uma coisa para esquecer. Até me envergonho de dizer que embora de
forma minimalista também contribui para aquela M... (assim mesmo com M grande).
RC
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