CLÁUDIA SOUSA
PEREIRA
O Pinto-Esperto
O
rapaz tem um ar vivaço e aparece nas televisões lusas em cenário búlgaro com
discurso fluido e com tom de que tudo quanto diz é óbvio para qualquer comum
mortal. Não óbvio porque “poucochinho” e fácil de entender, mas porque, cheio
dele mesmo, a mensagem que sai da sua boca oracular atinge os píncaros do
bom-senso e só pode estar prenhe de razão.
Pela profissão que
tenho, lido quotidianamente, e ano após ano, sobretudo com jovens. Tento fazer
com que mantenham a vivacidade própria da idade e consigam encontrar o
equilíbrio saudável, para eles e para os que com eles convivem, entre uma certa
displicência que não os torne ansiosos e uma ansiedade que não os deixe passar
ao lado do que pode ser-lhes importante. Por esta altura já terão percebido que
falo do hacker do footballeaks que está em risco de ser
extraditado para Portugal, se é que à hora a que me ouvem ou lêem não está já
por cá.
Diz que se sente
ligeiramente em perigo, agora que saiu da “nuvem” onde andou a espreitar pelo
buraco da fechadura de portas que, para o bem ou para o mal, têm direito a
estar fechadas. Se o rapaz de sotaque e divertida aparência (confesso a sincera
graça que lhe acho ao look ) “Porto-Espinho” tivesse ouvido contar (e
se calhar ouviu) o que acontecia às personagens que nas histórias tradicionais
ouviam atrás da porta e espreitavam pelos buracos da fechadura, tinha razões
para ter medo. Não porque lhe possam alguns “limpar o cebo” transformando-o,
esse perigo iminente, naquele herói de filmes e jogos que deve frequentar nas
horas em que não está a piratear e a violar a privacidade de gente a sério,
seja gente mais ou menos séria. Mas porque essas etapas do herói bisbilhoteiro
tantas vezes atrasavam o desenrolar da história e a chegada do final feliz.
É que este justiceiro
do primeiro quartel do século XXI, que talvez já tenha quase nascido ligado à
.net, representa o mau uso da acessibilidade ao mundo interconectado desejável
para todos como sinónimo de progresso. E que a par da facilidade em aceder a
mais informação, a obter agilmente soluções para problemas ou processos que nos
roubam tempo de qualidade à vida, a par de tudo isto e mais algumas coisas, se
mantenha o direito à privacidade. E dando-lhe o valor que não a transforme, por
se lhe querer atribuir uma imagem banalizada de bas-fond. Aprenda jovem que o
segredo tem muitas vezes boas razões para existir, e que atrás de uma porta não
existem só malfeitores a conspirar. Se este princípio se acabar e se se
banalizar a devassa sob a capa de uma justiça por acontecer, “descanse”, jovem,
que quem “vier por mal” rapidamente encontrará alternativa para continuar. E
pelo caminho muita vida íntima, integra, terá sido interrompida.
Até para a semana.
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