Quinta da Amoreira da Torre e as Estátuas Romanas
Em
1437 a propriedade pertencia a D. Tareja, ama da Infanta D. Isabel, e cerca de
quarenta anos depois, D. Fernão Martins de Mascarenhas era designado como
donatário das terras.
O
conjunto arquitetónico mais arcaico inclui a torre ameada que dá o nome à
propriedade, a capela, o pombal, a alameda de loureiros, e a cerca com
contrafortes cilíndricos e remates cónicos, elementos datáveis do início do
século XVI, bem como a designada Fonte da Rainha, ainda de cronologia
quatrocentista, assinalada por um elegante templete tardo-gótico em brecha da
Arrábida.
A
torre senhorial, de tradição medieval, é flanqueada por duas alas residenciais
de tipologia barroca e neoclássica, com portal setecentista, completadas por
diversos anexos distribuídos em torno de um pátio interior aberto por portão de
aparato.
Ao
longo da fachada posterior corre um largo tanque, que deita água sobre os
jardins, alimentando diversos tanques de rega e recreio que, juntamente com as
áreas verdes e pomares originais, já quase desaparecidos, contribuíram para a
criação de um espaço paradisíaco, de ressonâncias islâmicas, no meio da aridez
da planície envolvente.
A
ermida, consagrada a Nossa Senhora da Penha de França, foi reconstruida, na
quase totalidade, depois de 1687, a expensas e devoção da Condessa de Santa
Cruz, mulher do 5.º Conde do mesmo título, D. João de Mascarenhas.
A
sua festa era celebrada, com solenidade, no dia 15 de Agosto pelos beneficiados
da Paróquia de Nossa Senhora da Vila e tinha missa dominical rezada à custa dos
proprietários e dos lavradores vizinhos. A capela foi desafectada no séc. XIX,
e perdida a sua piedosa imagem padroeira, que a doadora mandara fazer por cópia
da titular de Lisboa.
A
propriedade manteve-se na posse dos Mascarenhas desde o Séc. XVI, até ser
adquirida em 1895 pelo importante proprietário e influente político Cipriano da
Costa Palhinha, que D. Carlos I agraciou com o viscondado da Amoreira da Torre.
As Estátuas Romanas
Gabriel
Pereira, escritor, tradutor e arqueólogo eborense, publicou no Diário do Alentejo em Dezembro de 1886, um
texto sobre a Quinta da Amoreira da Torre – e as Estátuas Romanas, do
qual
seleccionei algumas passagens:
A
Quinta da Amoreira da Torre fica a 4 quilómetros de Montemor-o-Novo na direcção
de Arraiolos. Está numa grande planura, entre vastas folhas de lavoura,
cortadas pelas sinuosidades da ribeira. Fez-me lembrar aquela linha de verdura
coleando entre as terras limpas de certo conservador que chamava às ribeiras e
às extremas das propriedades as serpentinas do campo. Tem um grande ar nobre o
palácio da quinta, com a sua vasta quadra; o palácio ocupando um lado inteiro,
sobressaindo a meio do edifício a alta torre quadrangular. O lado oposto do
edifício dá para um enorme lago, cercado de jardins, hoje transformados em
hortejos. Restam alguns pés de murta, seculares, enormes; e uma fonte, uma
pequena construção elegante, cujos arcos e colunas são de pedra da Arrábida.
À
entrada dos jardins uma ermida abandonada. Nada mais nos fala das passadas
grandezas. Recentemente,
há poucos anos, houve uns arranjos ou concertos burgueses que tornam o edifício
habitável, e aproveitáveis as vastas oficinas que cercam a quadra.
Àquela
quinta ligam-se recordações históricas; ali pousaram reis, duques e condes, e
houve festas campestres de grande explendor.
Vou
explicar porque eu levava no meu plano visitar a quinta da amoreira. Consta
que D. Francisco de Mascarenhas (1530 - 1608),
senhor da Amoreira da Torre, alcaide-mor de Mértola, era homem amador de
antiguidades; e querendo enobrecer a sua casa da Amoreira, onde muito residia,
para ali levou de Mértola antiguidades notáveis, estátuas e lápides.
Em
1758, o povo de Montemor-o-Novo por ocasião do atentado contra el-rei D. José
I, correu em massa à Quinta da Amoreira da Torre e quebrou, destruiu brazões,
móveis, objectos de arte, jardins, etc., e decapitou o marquês e a marquesa...
Não teria ficado cousa alguma, não restaria
algum fragmento dessas antiguidades achadas em Mértola, e tão importantes que o
alcaide-mor, homem ilustrado, as fizera transportar em tempo de péssimas
estradas para a sua quinta de Montemor, a boas 30 léguas de distância.
Nos
estudos sobre Montemor coligidos pelo sr. Dr. Lopes Praça há uma leve
referência a uma ou duas estátuas que parece que ainda ali existem. Vamos
verificar, disse eu com o meu album.
Expus
o meu problema ao hortelão. Se havia estátuas, grandes bonecas ou pedras com
letras, ou figuras? Ora talvez saiba, talvez tenha ouvido dizer; e dizem que
veio o povo e quebrou tudo; são coisas velhas...
Pouco
a pouco o homem convenceu-se de que não era beleguim, começou a entender-me;
depois apareceram umas mulheres.
Só
se forem as figuras do marquês e da marquesa, disse uma delas.
Pois
vamos a ver isso, disse eu um tanto desanimado, não serão antiguidades de alta
escola, mas talvez algumas esculturas curiosas.
Abriu-se
um portão; achei-me na casa de entrada; fiquei extasiado, no êxtase arqueológico
mais profundo.
A
isto chamam aqui o marquês e a marquesa?
Sim
senhor, sempre lhe ouvi chamar assim, e sempre lhe ouvi dizer que foi o povo
que lhe tirou as cabeças quando soube que o dono desta casa era traidor ao rei.
São
duas estátuas romanas esplêndidas; faltam as cabeças e as mãos, isto é, os
salientes mais delicados e fáceis de partir; homem e mulher; as túnicas e
mantos tratados com uma elegância admirável; duas esculturas de primeira ordem.
Aproximei-me
para examinar as pedras e raspei um pouco...
Ah!
Não são de barro, são de pedra; fui eu que as caiei ainda não há muito tempo.
Foi
até com cal das Silveiras, disse outra mulher com ares de muita consideração
pela dita cal.
Verifiquei
serem de mármore avermelhado. Têm dois metros de altura: completas terias
2,30m. As atitudes cheias de nobreza escultural; as roupagens de grande
perfeição; a estátua de mulher faz lembrar em posição e estilo a soberba
estátua de Hera.
Animado
pela famosa descoberta perguntei à boa mulher se por ser de muitos anos naquela
casa ela não saberia de outras pedras com figuras ou letras...
Que
tinha ideia de ver umas pedras esquisitas em certa oficina...
Fomos
lá; desviaram-se uns feixes e madeiras velhas; apareceram as pedras. Não eram
inscrições nem esculturas de importância artística ou científica; mas
fizeram-me certa impressão aquelas pedras ali esquecidas e escondidas de há
tantos anos. São os brasões das casas, das antigas casas nobilíssimas e
opulentissimas, dos condes de Santa Cruz e dos duques de Aveiro.
A
estátua do homem, deu entrada no Museu Nacional de Arqueologia em 1902, doada
pelo Visconde da Amoreira da Torre.
Segue-se
a descrição da estátua doada, realizada pelo Museu Nacional de Arqueologia:
Estátua
masculina vestida de túnica e ampla toga com dobras dos panejamentos usadas
segundo a moda imperial século I d. C. Falta-lhe a cabeça, todo o braço
direito, o pulso e a mão esquerda, além dos pés e pernas que foram jarrelados
por baixo dos joelhos encontrando-se assente sobre um plinto. Também a a toga foi danificada em alguns pontos. O
peso da figura descansa na perna esquerda, uma vez que a direita se encontra
ligeiramente flectida, actualmente partida desde um pouco abaixo do joelho.
Como é habitual nas estátuas togadas, o braço esquerdo – o único conservado –
dobra-se e dirige-se para a frente segurando os compridos panejamentos da toga,
encontrando-se partida a borda interior
desta. É possível que o braço direito caísse junto ao torso. A toga foi colocada
à maneira clássica, com um “balteus” estreito, que passa pela anca direita e
sobe em direcção ao ombro esquerdo, sobre o qual recai uma pequena prega da
túnica. O “sinus” aparece descaído em arco sobre a perna direita, não chegando
a cobrir a totalidade do joelho. O “umbo”, por sua vez, ocupa a sua
característica posição centrada e apresenta a forma de “U”, no centro do torso.
Na base do pescoço do personagem abre-se uma concavidade semi-circular
destinada a receber uma cabeça amovível. A estátua serviu de suporte para as
“cabeças retrato” de imperadores ou altos funcionários imperiais, exposta
presumivelmente num contexto de culto ou homenagem pública à autoridade romana.
(Segundo ficha do Catálogo de Escultura Romana do MNA, da autoria de José Luís
de Matos). Esta peça faria parte integrante de um programa iconográfico
estatuário juntamente com as restantes
de que falam André de Resende e Amador Arrais no século XVI ( ver
Origem/Historial). Este tipo de escultura de vulto inteiro presta, muitas vezes, alguma dependência em relação à
arquitectura, estando prevista a sua colocação para um nicho, ficando por isso
com uma parede pelas costas, deste modo o acabamento da parte de trás da
escultura surge desprezado ou pouco cuidado como é o caso desta peça, que tem
1,68 m de altura, 81,9 cm de largura e 42 cm de espessura.
No
Diário do Governo n.º 52, de 6 de Março de 1902, foi publicado um Louvor do
Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústrias ao Senhor Visconde de
Amoreira da Torre pela oferta desta estátua. Em relação à outra estátua, não
encontrei informação disponível.
Na
segunda década do já referido século XX, a propriedade foi adquirida pelo Dr.
Alfredo Augusto Cunhal que procedeu ao restauro do edifício da quinta, mediante
projecto elaborado pelos arquitectos Raul Lino e Jorge Reis. Os actuais proprietários da
Quinta da Amoreira da Torre, são os bisnetos do Dr. Alfredo Cunhal.
Através
dum processo iniciado em 1998 a Amoreira da Torre foi classificada Monumento de
Interesse Público através da Portaria n.º 264/2014 de 10 de Abril, e o seu
histórico jardim está registado na Associação Portuguesa dos Jardins
Históricos.
A
apreciada água da Amoreira da Torre foi disponibilizada há vários anos para o
abastecimento público da nossa cidade.
Destas
terras são colhidas as uvas que dão origem ao afamado vinho “Quinta Amoreira da
Torre”, cujos rótulos, levam o nome de Montemor-o-Novo pelo país e também pelo
estrangeiro.
Augusto Mesquita
Janeiro/2019
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