EDUARDO LUCIANO
O ano do porco
Cumprindo-se
a espécie de profecia contida na minha primeira crónica deste ano, a coisa
promete uma descida vertiginosa a um inferno conhecido e reconhecido e há uma
espécie de gente que povoa um sub mundo de ignorância, de insensatez, de
má-língua, de hipocrisia, de suspeição construída com meias palavras (porque a
difamação ainda é crime), que está a tirar a cabeça de fora e a sentir-se muito
confortável com ar que respira e partilha com os outros seres humanos.
A política, esse espaço nobre de
participação cívica, é agora emporcalhada com “opiniões” e afirmações onde a
ausência de seriedade parece ser a nota comum de quem se acha moralmente com o
direito de julgar os outros à luz das suas pequeninas ambições pessoais e da
mesquinhez com que se alimentam.
É assim que temos construções
fantasiosas nas televisões, repetidas pela acefalia construída por uma rede
comunicacional que faz da isenção uma espécie de tapete de entrada onde
qualquer candidato a ser classificado como fascista (no sentido da definição de
Eco no seu texto de 1997) se dá ao luxo de limpar a lama que traz colada aos
sapatos.
Claro que também estou a falar da
insidiosa campanha contra os comunistas que agora parecem poderem ser
criminalizados por terem emprego, ou uma empresa, ou relações de trabalho seja
com quem for, ocultando, ou melhor, varrendo para debaixo do chiqueiro de néon
a verdadeira corrupção, nepotismo e controlo do aparelho de estado por parte
dos donos da sua criação.
Claro que também estou a falar da
vergonhosa campanha contra um país independente, com o seu presidente eleito a
ser apodado de ditador ao mesmo tempo que vemos imagens de dirigentes
oposicionistas rodeados de comunicação social, em plena liberdade, a pediram
mais sanções económicas contra o seu povo.
Imaginemos a cena a acontecer em
Portugal durante o fascismo e depressa conseguimos perceber o que é e o que não
é uma ditadura.
Umberto Eco, no tal texto de
1997, escrevia que “o Ur-Fascismo nasce da frustração individual ou social. Tal
explica porque é que uma das características típicas dos fascismos históricos
foi o apelo às classes médias frustradas, sentindo mal-estar por qualquer crise
económica ou humilhação política, assutadas pela pressão dos grupos sociais
subalternos. No nosso tempo, em que os velhos proletários estão a
transformar-se em pequena burguesia (e os lúmpenes se autoexcluem da cena
política), o fascismo irá encontrar nesta nova maioria a sua audiência.”
Vinte e dois anos depois do
semiólogo italiano ter escrito isto, a audiência está montada e cresce todos os
dias. Na política internacional, nacional e local.
Sem terem consciência disso,
milhares de pessoas reptem todos os dias para o mundo frases que podem ser
consideradas plagiadas de discursos de Mussolini ou de outras figuras negras
que povoaram a primeira metade do século XX.
Segundo o calendário chinês, o
ano do porco ainda agora começou. Mas ainda não tinha começado e já a pocilga
mediática fervilhava.
Até para a semana
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