MARIA HELENA FIGUEIREDO
Dizem que gostam delas…
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de Janeiro, o ano abriu com o assassinato a tiro de uma mulher pelo seu
companheiro. Motivo? Ciúmes doentios.
31 de Janeiro de 2019, uma mulher
jovem de 25 anos foi morta pelo ex-namorado.
Foram 8 as mulheres assassinadas
em Janeiro por aqueles que normalmente dizem que gostam delas. À facada, a
tiro, à pancada.
São números aterradores.
Nos últimos anos a média de
mulheres assassinadas em contexto de relações de intimidade é de duas por mês e
esperava-se que o flagelo do femicídio diminuísse com as campanhas de
informação e a intervenção de entidades públicas e organizações não
governamentais a criar maior consciência quanto à violência sobre as mulheres.
Mas aparentemente isso não chega.
Em vez de diminuir, o número de
mulheres assassinadas não pára de crescer e este valor – que receio não seja
apenas um valor anómalo numa série estatística – é assustador, obrigando-nos a
reflectir e sobretudo a agir.
De acordo com os últimos dados
disponíveis, que são de 2017, 11.000 mulheres foram atendidas na rede nacional
de apoio à violência doméstica e 850 foram recolhidas em casas abrigo. Por seu
turno a APAV registou nesse ano 16.033 atendimentos por crimes de violência
doméstica.
Também
o inquérito “à violência contra as mulheres – inquérito à escala da União
Europeia” de 2012 que inquiriu 42.000 mulheres concluiu que 31% das mulheres
com mais de 15 anos sofreu um ou mais actos de violência, maioritariamente
física mas também psicológica, e que 11% das mulheres foi vítima de alguma
forma de violência sexual.
Estes dados são assustadores se
nos lembrarmos que apenas um pequeno número de mulheres consegue ultrapassar os
sentimentos de medo e de vergonha e tornar público que é vítima de violência ou
pedir ajuda. Mas apesar de falarmos de crimes de grande gravidade a nossa
justiça continua a fechar os olhos ao que se passa e a desculpabilizar os
agressores.
As condenações quando existem são
leves e as penas suspensas.
As mulheres continuam invisíveis
para os nossos magistrados e apenas 7% das denuncias por violência doméstica
acabam em condenações. São dados do Grevio, o Comité de Peritos do Conselho da
Europa sobre a aplicação da Convenção de Istambul, que no relatório publicado
no passado dia 21 de Janeiro expressou preocupação pela situação no nosso país.
A
Associação Sindical dos Juízes, numa atitude corporativista, apressou-se a
justificar a baixa taxa de condenação na falta de prova e nas falsas denuncias.
Justificações insustentadas, já
que inúmeros estudos contrariam esta última afirmação e pelo contrário todos
nos lembramos de muitas sentenças que escandalosamente desvalorizam este crime:
Quem não se lembra do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães
que reduziu e suspendeu a pena aplicada a um homem que por ciúme atacou a
namorada à facada, ou do acórdão do Tribunal da Relação do Porto e proferido
pelo juiz Neto Moura que suspendeu a pena ao arguido que agrediu violentamente
a mulher com uma moca com pregos, com o argumento de que o adultério da mulher
é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem e até a Bíblia diz que o
adultério deve ser punido com a morte.
Esta inaceitável
desculpabilização dos agressores e o descrédito com que as vítimas são
encaradas por parte dos Tribunais tem o efeito contrário, mostrando aos
agressores que afinal agredir uma mulher ou até matá-la não é assim tão grave.
Apontei muitos números, mas cada
número tem por trás um rosto, uma mulher que ao longo dos anos é humilhada,
brutalizada, que sofre agressões. São vidas de grande sofrimento e que muitas
vezes acabam em morte.
Impõe-se que os magistrados
adquiram consciência da gravidade da situação, que tomem as vítimas como isso
mesmo e as valorizem. Impõe-se, portanto, que a Justiça actue, porque este flagelo
só acabará quando o sistema judiciário encarar a violência doméstica e o
femicídio como crimes graves que são e actuar em conformidade.
Não podemos ter mais Janeiros.
Até para a semana!
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