quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


EDUARDO LUCIANO
                                  A classe operária existe
Quarenta anos depois de eu ter assinado o primeiro contrato de trabalho, o meu filho mais velho comprometeu-se com o seu primeiro contrato de trabalho.
Tem vinte e um anos e optou por não continuar, para já, a estudar. Inscreveu-se no centro de emprego e foi chamado para uma formação que culminou num contrato de trabalho, pago a 3,66 € a hora por 173,33 horas por mês acrescido de 0,37 €, por complemento de horário alargado (um eufemismo que significa horários de 12 horas diárias).
A leitura do seu contrato de trabalho é uma verdadeira odisseia pelo processo de desvalorização do trabalho, da institucionalização da precariedade como regra e do cinismo como base de fundamentação.
São jovens e menos jovens agarrados a uma linha de montagem, presos a uma possibilidade remota de que o seu contrato a termo incerto se transforme num contrato sem termo e que a sua remuneração mensal descole dos 635,00 € mensais que dificilmente chegarão para iniciar uma vida independente.
Havia várias formas de explicar ao meu filho, rapaz culto e inteligente, o que é ser operário, nem que fosse através da leitura do livro “trabalho assalariado e capital”, de Marx, ou de forma mais lúdica pela explicação do mito de Sísifo nas palavras de Camus, mas talvez ele nunca ficasse a saber o que é essa coisa de participar no processo produtivo, sentindo na pele que do resultado da produção lhe calha apenas uma pequena parte.
Gosto de o ver sair de casa pelas sete e regressar pelas vinte, de dizer que fez dezanove quilómetros durante o dia de trabalho e de não sentir qualquer azedume quando o diz.
Tenho ideia que essa postura o levará a descobrir mais coisas sobre o mundo que agora habita e a valorizar o trabalho e quem o realiza, esperando que nunca caia no desejo de pequena ambição pequeno-burguesa e vá ganhando consciência da classe a que pertence, independentemente dos empregos e profissões que possa vir a exercer.
Se começar a vida profissional como operário não for uma lição decisiva para a sua vida, então terei falhado algures no meu papel pai e terei contribuído para a existência de mais um ser humano de pequena dimensão.
Tem sorte, dirão alguns, porque tem emprego num tempo em que a taxa de desemprego nos jovens da sua idade é elevadíssima.
Perdoem-me a imodéstia mas a sorte dele é outra: é ser aos vinte e um anos um operário em construção.
Que nunca perca essa perspectiva, que nunca se permita alienar da sua origem de classe e que saiba percorrer o caminho do poema do Vinicius.
Que aprenda “esse facto extraordinário: / Que o operário faz a coisa/ E a coisa faz o operário.”
Até para a semana



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