EDUARDO LUCIANO
A classe operária existe
Quarenta anos depois de eu ter assinado o primeiro contrato de
trabalho, o meu filho mais velho comprometeu-se com o seu primeiro contrato de
trabalho.
Tem vinte e um
anos e optou por não continuar, para já, a estudar. Inscreveu-se no centro de
emprego e foi chamado para uma formação que culminou num contrato de trabalho,
pago a 3,66 € a hora por 173,33 horas por mês acrescido de 0,37 €, por
complemento de horário alargado (um eufemismo que significa horários de 12
horas diárias).
A leitura do seu
contrato de trabalho é uma verdadeira odisseia pelo processo de desvalorização
do trabalho, da institucionalização da precariedade como regra e do cinismo
como base de fundamentação.
São jovens e menos
jovens agarrados a uma linha de montagem, presos a uma possibilidade remota de
que o seu contrato a termo incerto se transforme num contrato sem termo e que a
sua remuneração mensal descole dos 635,00 € mensais que dificilmente chegarão para
iniciar uma vida independente.
Havia várias
formas de explicar ao meu filho, rapaz culto e inteligente, o que é ser
operário, nem que fosse através da leitura do livro “trabalho assalariado e
capital”, de Marx, ou de forma mais lúdica pela explicação do mito de Sísifo
nas palavras de Camus, mas talvez ele nunca ficasse a saber o que é essa coisa
de participar no processo produtivo, sentindo na pele que do resultado da
produção lhe calha apenas uma pequena parte.
Gosto de o ver
sair de casa pelas sete e regressar pelas vinte, de dizer que fez dezanove
quilómetros durante o dia de trabalho e de não sentir qualquer azedume quando o
diz.
Tenho ideia que
essa postura o levará a descobrir mais coisas sobre o mundo que agora habita e
a valorizar o trabalho e quem o realiza, esperando que nunca caia no desejo de
pequena ambição pequeno-burguesa e vá ganhando consciência da classe a que
pertence, independentemente dos empregos e profissões que possa vir a exercer.
Se começar a vida
profissional como operário não for uma lição decisiva para a sua vida, então
terei falhado algures no meu papel pai e terei contribuído para a existência de
mais um ser humano de pequena dimensão.
Tem sorte, dirão
alguns, porque tem emprego num tempo em que a taxa de desemprego nos jovens da
sua idade é elevadíssima.
Perdoem-me a
imodéstia mas a sorte dele é outra: é ser aos vinte e um anos um operário em
construção.
Que nunca perca
essa perspectiva, que nunca se permita alienar da sua origem de classe e que
saiba percorrer o caminho do poema do Vinicius.
Que aprenda “esse
facto extraordinário: / Que o operário faz a coisa/ E a coisa faz o operário.”
Até para a semana
Sem comentários:
Enviar um comentário