CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
Era uma vez a ADSE
Era ainda o terceiro mês de 2018, mas já não era a primeira nem a
segunda vez que, naquele ano, ela ia fazer aquela cirurgia urgente. O problema
parecia estar a tornar-se, para além de agudo, crónico. As consultas, porque
podia escolher mesmo sendo beneficiária do subsistema de saúde chamado ADSE,
eram em hospitais particulares. As cirurgias, daquelas que se fosse numa sala
de espera das Urgências do hospital público teriam direito a atendimento de
pulseira vermelha, também tinham sido assim, urgentes. Num ou noutro hospital
privado, empresas diferentes, consoante o dia que o cirurgião tinha um ou outro
na agenda. E esta cirurgia seguia a mesmo caminho, desta feita em hospital
privado, muito antigo e modestinho de aparência, nada desses novos impérios da
saúde com instalações que parecem aeroportos.
Também este, mesmo
sendo mais modesto ao estilo hotel de charme, tinha a convenção que aligeirava
os custos da “coisa”. Como ela já conhecia também o método da gestão desta
parte burocrática, feita com o desespero de quem está fragilizada pela
situação, sabia que uma quantia mais elevada era pedida à partida e que mais
tarde viriam acertos para aliviar. Daquela vez, no entanto, espantou-se com o
quão mais elevada era a quantia. Só mais tarde se deu conta da polémica que
estava a começar a ouvir-se sobre a ADSE e os Privados quanto ao preço dos
chamados “actos médicos”. Assinatura para aqui, depósito para ali, no meio dos
papéis vinha uma novidade: uma tabela, em branco, que anunciava em cabeçalho
tratar-se da lista dos materiais médico-cirúrgicos que seriam utilizados. Ela
pediu desculpa à pessoa que a atendia, que não era nada de pessoal, mas que por
princípio não assinava folhas em branco. Que não fazia mal, respondera a pessoa
amavelmente, que quando viesse mais tarde acertar as contas que assinaria a
tabela já preenchida com a listagem exacta do que tinha sido usado. Passadas
poucas semanas assim o fez. Regressou para receber a quantia que lhe era devida
pelo acerto. Ninguém lhe pôs nada à frente para assinar, mesmo depois de ter
perguntado pelo dito papel e confirmado se estava tudo certo e acertado.
Meses depois, após
vicissitudes várias que tornavam não só o seu caso num caso grave, como a
tinham tornado a ela própria numa quase especialista destas andanças de
hospitais, consultas, cirurgias urgentes, num entra e sai, numa
recibo-factura-original-duplicado, para cá e para lá, regressou a esse mesmo
hospital para aquela que desejava mesmo muito que fosse a última das cirurgias
àquele estupor daquele problema. O conflito ADSE-Privados ainda não se tinha
extremado como está agora. Mas naquele mesmo hospital voltaram a fazer-lhe a
mesma proposta – indecente, está bom de ver – para que assinasse uma folha em
branco com a lista do material que usaria, etc., etc. Como se costuma dizer, o
mesmo enredo.
Ora digam-me lá se
esta história, que não é da carochinha, não senhor, apesar do “Era uma vez”
porque não foi só uma vez, e que aconteceu mesmo que eu sei, não nos deixa a
magicar sobre o quanto material médico-cirúrgico a utilizar terá ido parar a
contas de beneficiários da ADSE?… Como diria o Fernando Peça, aqui há muitos
anos, na televisão: “- E esta, hein?”
Até para a semana.
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