EDUARDO LUCIANO
O ranking, a meritocracia e uma verdade de La Palisse
No
passado fim-de-semana comprei um jornal. O dito cujo tinha mais páginas que o
habitual e trazia um caderno inteiro com quadros preenchidos com números,
alinhados ao lado de nomes de escolas distribuídas pela velha noção de
distrito.
Pretendia-se com esse
levantamento numérico exaustivo dizer quais os melhores e os piores
estabelecimentos de ensino para a obtenção do sucesso, essa miragem que cada
vez mais se transforma em objectivo único, a pingar num funil onde as
diferenças de cada um são torturadas até se obter um ser humano com uma única
forma de pensar.
Medir mérito sem ter em conta o
contexto individual, como se todos partíssemos para a maratona da vida do mesma
linha, com o mesmo tempo de treino, com características idênticas, com o mesmo
equipamento e disponibilidade de investimento, é o mesmo que comparar batatas
com cebolas ou alhos com pimentos ou, melhor ainda, jogar um jogo de regras
únicas independentemente das características de cada jogador.
Esta meritocracia que nos
pretendem vender como o cúmulo da justiça (vão mas longe os que conseguem
melhores resultados) é uma das principais ferramentas da desigualdade que
resulta depois na produção e venda, sim venda, de discursos de apelo à
inclusão.
A meritocracia produz excluídos
que justificam a produção de programas e projectos de combate à exclusão que
são o ganha-pão de muita gente. Obviamente os do topo dos diversos rankings
que, não sendo excluídos nem habitando nas margens da exclusão, sabem tudo
sobre como contrariar a exclusão.
Será que não percebem que há mais
esforço e mérito num “dez” de alguém que sobrevive abaixo do limiar da pobreza
do que num “vinte” de um privilegiado? Claro que sabem. Mas também sabem quem
paga e aquela lista imensa que classifica escolas como se fossem melões
produzidos no mesmo meloal tem os seus objectivos bem claros: a alimentação do
negócio de produção do famigerado sucesso.
Claro que não estou a dizer nada
de novo e lá virão alguns dizer que conhecem o Manel que passava fome e não
tinha um livro em casa e ainda assim entrou em medicina, ou a Maria que apesar
de ter crescido num bairro onde imperava a violência e o tráfico de droga se
transformou num génio da astrofísica.
Confirmo que as excepções existem
e precisam de ser absolutamente excepcionais para que lhes seja reconhecido o
mérito, mas não é desses que estamos a falar. Aliás nem estamos a falar de
alunos mas de resultados médios de escolas, sem ter em conta o contexto
cultural, familiar e económico da população que as habita.
Conhecer os números é importante,
mais importante ainda é conhecer a realidade que os produz e ainda mais
importante é mudar de paradigma de sociedade, alterando radicalmente a
distribuição do rendimento produzido, apostando na cultura, na produção e
divulgação do conhecimento, valorizando o pensamento crítico e a curiosidade
intelectual.
Classificar é apenas uma forma de
estigmatizar e um meio de apontar uma única saída que designam de sucesso:
formar mão-de-obra para a cadeia de exploração.
Enquanto a resposta à pergunta de
uma criança sobre as razões de ter que ir à escola for, “para tirares um curso
e teres um bom emprego” em vez da óbvia para “saberes mais”, os rankings
continuam a ser a miragem dos pobres, o deleite dos ricos e o desânimo de
professores que trabalham duramente para que pelo menos os seus meninos não
desistam de o ser demasiado cedo.
Até para a semana
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