CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
Quando há guerra há os mercenários
Tudo
quanto se assemelhe a um conflito de interesses entre duas ou mais facções
parece extremar-se agora como se de uma declaração de guerra se tratasse. Não
sei se porque a “palavra de honra” parece ser uma espécie em vias de extinção…
Se porque quem se vê prejudicado pela falta desse tratamento com dignidade que
respeite a honra aprende a fazer igual e replique esse tipo de comportamento…
Não sei se esta ideia de que termos de ter autoestima passa por nos sentirmos
todos únicos (e até somos!) e, com isso, no direito de tratar o “todos” como
ninguém (não temos!)…
Certo é que contra aquele que os
encostados à Direita chamam um Governo encostado às Esquerdas, extremistas e
beligerantes, se têm assistido a inauditas propostas de guerra. Saltam das
trincheiras que pareciam lugares relativamente mais seguros porque do outro
lado a artilharia era, ainda assim, mais leve do que as cargas devastadoras que
antes sofriam, para se assanharem contra quem, ainda que com algumas
intermitências, por vezes partilharam objectivos comuns. Uma confusão para quem
assiste e tenta arrumar na sua cabeça os lados de uns e outros e só consegue,
às tantas, perceber que só há dois lados: o dos que estão no Poder e o dos que
lá queriam estar. Sendo que alguns já só têm interesse em ter o Poder de estar
a comandar os que não estão no Poder. Enfim, o ambiente social é de guerra e as
ameaças à Vida chegam quando, neste contexto, as frentes se degladiam nos
cenários em que salvar vidas começa a estar em perigo. Falo, está claro, da
greve dos enfermeiros financiada por crowdfunding. Mas também das outras que,
de arrastão, ameaçam aproveitar a poeira do elefante…
Esta modernaça forma de
contestação laboral por parte de jovens sindicatos de enfermeiros instigados
por velhas raposas de guerras intestinas e declaradas a tudo o que chateie e
impeça a sua escalada social; ou seja, a greve cirúrgica dos enfermeiros, veio
injustamente denegrir a imagem de uma classe. É que como nas guerras mesmo
guerras, com tiros e mortos e devastação e tudo o que é mau, ser um combatente
não é a mesma coisa que ser um mercenário. Se procurarem uma definição numa
informal página da Internet, verão como essa palavra se aplica a estes novos
guerreiros. De uma forma geral, um mercenário é um soldado que trabalha a troco
de soldos, ou seja pagamentos, sem ligações patrióticas ou aos ideais por que
luta, que é o que quem faz greve em defesa dos seus direitos laborais é: não
trabalha e não recebe para demonstrar o quão séria é a sua luta. E repararão
que, numa extensão do sentido da palavra “mercenário”, esta também se aplica ao
profissional que trabalha visando apenas o lucro, sem se importar com as
regras, a ética ou os princípios impostos pela profissão que escolheu.
Eu não tenho nada contra “os”
enfermeiros, mas tenho muito contra estes enfermeiros. Não enquanto técnicos,
naturalmente, onde podem ser os melhores dos melhores, mas enquanto membros de
uma sociedade em que se consome de acordo com o que se produz, e onde se nuns
casos parece que produzimos mais do que aquilo que consumimos, noutros será o
contrário. Tem graça que há muito que não oiço nenhum miúdo repetir como eu fui
ensinada a pensar e a dizer que todas as profissões são importantes. Será que
há quem agora já ache que não é assim? Parece-me um sinal de que o “todas” vai
um dia mesmo transformar-se em “nenhuma”…
Até para a semana.
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