(Foto: Nuno Photography)
“Come as 12 passas e cala-te”, mastigou a Fofa, em pleno pico destress, tentando fazer tudo a que tinha direito na noite da Passagem de Ano. Eu, que nunca fui muito de comer passas à pressa e formular desejos ao mesmo tempo, fingi que mastigava, enquanto ela se atirava para cima de um banco, com um copo (desculpem, mas não temosflutes) de champanhe na mão. Logo a seguir, mesmo antes de me desejar Bom Ano Novo, lançou-se em direcção ao telemóvel e desatou a telefonar aos filhos e às amigas a desejar tudo de bom no tempo que estava para vir. E ali fiquei eu, paciente (é todos os anos a mesma coisa) encostado à lareira, à espera do meu beijo de Boas Festas. Lá veio ele, já perto da uma da manhã, lânguido e apaixonado. Olhámos um para um outro e desatámos a rir.
Não era preciso verbalizar os votos que nos animavam naquele momento. Sabíamos intimamente, adivinhávamos sem hesitação, líamos apaixonadamente o que nos ia no coração e os bons desejos que tínhamos um para o outro, para os nosso filhos, para a nossa família, para os amigos e para os filhos dos nossos amigos. Voltámos a encostar os copos um no outro, voltámos a encostar levemente os lábios e ficámos no sofá num exercício de adivinhação sobre o que nos iria acontecer no ano acabado de nascer. E o que formulámos posso perfeitamente revelá-lo, sem qualquer receio, porque os nossos desideratos são, mais coisa menos coisa, iguais aos de toda a gente.
Queremos entrar em 2019 com o pé direito, porque é assim que se deve fazer. Se, depois, o passo se troca, por descuido nosso, ou por causa de um ou outro empurrão de alguém menos cuidadoso, isso será resolvido a tempo e com as pessoas certas. Para já, posso revelar que pensámos na família, primeiro, nos que partiram e, depois, nos ficaram; na harmonia sempre necessária para avançarmos no tempo e progredirmos no modo como tentamos percorrer as nossas estradas; tomámos nas mãos o desejo de uma contínua tolerância para que todos se sintam confortáveis e encorajados nas suas ideias, nos seus desejos e nas suas conquistas, sem críticas nem palavras nascidas no preconceito e na inveja; quisemos acreditar que todos os familiares e amigos iriam ter sucesso nos seus projectos, nas rotas que viessem a traçar, de forma pessoal ou colectiva, nos seus empregos e nos seus tempos de lazer; olhei-a nos olhos e vi lá reflectidos os nossos filhos, cada um percorrendo o seu caminho sempre com vontade de avançar, de melhorar, de saber mais e melhor sobre o mundo e a vida, procurando, serenos, vencer os obstáculos, com coragem e honestidade, sem pisar ninguém, sem usar ninguém, sem odiar ninguém; e desejámos o mesmo para os seus amigos, merecedores também dos maiores sucessos; pensámos, com força, nos mais pequenos da família, na Carminho, na Mariana e no Duarte e, tal como duas fadas madrinhas, desejámos-lhes o melhor deste mundo e de todos os mundos que possam existir para além deste, com saúde e força para os pais e também para os avós, que são, como todos sabemos, a grande base de apoio e de conforto dos recém-casados e dos recém-nascidos; direccionámos o nosso pensamento aos amigos e amigas, sobretudo àqueles que neste momento atravessam momentos mais complicados e que viram o seu caminho interrompido por factores de vária ordem. Queremos que tudo volte ao normal e queremos que saibam que estamos cá para o que for preciso.
Passaríamos a noite inteira a formular votos sem fim, se à memória nos viessem todos aqueles que fazem parte dos nossos dias, no nosso emprego, nos nossos tempos livres, todos os que encontramos nas ruas da cidade e que para nós têm sempre uma palavra amiga sobre nós e sobre os nossos. Estaríamos durante este novo ano, todo inteiro, de fio a pavio, a desejar a paz e a justiça para todos os que fogem da guerra, da doença, da fome e da intolerância; a imaginar como seria bom se todos tivessem uma casa decente, emprego todos os dias, saúde, pão na mesa e um livro que os fizesse sonhar, na mesinha de cabeceira; pensámos como tudo seria mais fácil se os corruptos pagassem na justiça o dinheiro e a dignidade que nos roubam diariamente, e devolvessem com juros tudo o que nos tiraram neste duros últimos anos da nossa existência; como tudo seria bem melhor se quem nos governa olhasse para nós como seres humanos, com um nome próprio e um apelido, e não como um simples número de contribuinte ou da segurança social.
Adormecemos no sofá no meio de tantos desejos, tantos que não tinham fim. Com a lareira já apagada e a sentir o frio que tinha regressado à sala, decidimos ir para o quarto, para nos restabelecermos, de modo a estarmos prontos a enfrentar o ano recém-nascido. Antes de cair nos braços do Morfeu, ainda a ouvi murmurar: “Não te esqueças de que vamos ter um compromisso importante em Fevereiro.” “Vamos?”, perguntei já meio perdido. “Sim. Vamos lançar oCloreto de Sódio no dia 2, na Biblioteca Municipal. Temos de tratar dos convites.” “Temos”, concordei, atabalhoadamente, já muito longe, quase, quase a iniciar a viagem que me iria levar até ao novo ano.
E aqui estamos. E por aqui vamos continuar.
Bom Ano!
João Luís Nabo
In Montemorense Jan. 2019
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